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Texto sobre Manuel Madeira do amigo José Pedro Mendonça

«Tive o privilégio e a sorte de conhecê-lo ainda eu era um jovem a entrar no princípio de uma carreira profissional séria. Com o tempo criou-se uma amizade fácil no trabalho, reforçada com o alargamento à vida privada.

Senão vejamos:

O MRM era chefe de produção da OLÁ, ainda na fábrica velha da Estefânia, quando eu entrei para o Planeamento de Produção e portanto fui seu subordinado. Nessa altura estranhei não apanhar um senhor engenheiro. Sobre isso falarei mais adiante.

O MRM explicou-me as regras sem qualquer dificuldade. Apercebi-me então que o meu chefe tinha uma facilidade enorme em dizer claramente o que pretendia. Tinha o dom da comunicação!

Nessa altura eu andava a estudar à noite no Instituto Industrial para acabar o curso. O MRM apoiou-me bastante nessa minha tarefa encorajando-me a levá-la até ao fim. Foi amigo desde logo .

E não se retraía a tecer elogios quando os êxitos eram alcançados, não só individualmente com os da equipa. Era um “leader”!

Lembro-me por exemplo de uma vez os mecânicos não conseguirem pôr uma máquina a encher copos. Fomos “dar” uma ajuda e com a sua perspicácia e capacidade de análise que lhe fui reconhecendo a pouco e pouco resolveu-se o problema e fomos jantar fora. (estávamos em 1968).

No verão a fábrica trabalhava em contínuo e sempre que as situações o exigiam o MRM ficava até às tantas a ajudar a resolver os problemas. A OLÁ nessa altura lançou os bonequinhos FRANGINHAS E AMIGOS [dentro da embalagem do gelado havia uma surpresa: um boneco - geralmente pertencente a uma série de televisão com sucesso na época] e a produção não tinha mãos a medir. Eram tempos difíceis e era preciso dar ânimo às pessoas.

Entretanto a fábrica nova de Santa Iria começa a ser construída. Em determinada altura perguntei-lhe porquê, como Chefe de Produção, não tinha contactos com os holandeses que estavam a dirigir as obras? e o MRM respondeu-me que isso seria trabalho para um engenheiro que haveria de aparecer.

E realmente apareceu o Eng.° E. Brum (EB). Aqui tenho que recordar uma cena que me contaram ter acontecido na Estefânia entre ambos (nessa altura eu fazia Planeamento Central e não estava na Estefânia):

Um dia o EB entra na fábrica da Estefânia [a situada em Lisboa] a questionar decisões do MRM. A discussão acalorou-se, as coisas azedaram e o MRM acabou por expulsar o EB dizendo-lhe que na Estefânia era ele que mandava.

Entendi, que apesar de estarmos no tempo da “outra senhora” [regime de Salazar] e não tendo o MRM um “canudo” não era forçoso um indivíduo nas suas condições sujeitar-se a impropérios e abusos de poder sem se impor.

 

Poucos tempo depois deu-se o 25 de Abril de 1974. Não me lembro bem mas penso que só então soube de alguns aspectos da vida passada (política) do MRM. Era mais fácil falar de tudo e de todos e percebi que aliado a uma inteligência impar que tinha nascido com ele, a passagem pelo seminário, a militância pelo Partido Comunista, a prisão pela PIDE aliadas a uma grande perseverança de autodidacta lhe tinham forjado o carácter e a maneira de ser:

-    Reconhecimento e compreensão pelo problemas alheios

-    Análise objectiva das situações

-   Encontrar soluções para os problemas

-    Perspectivar acontecimentos futuros

Aprendi política com o MRM e duma forma muito simples pois fez-me ver que todos as nossas atitudes são políticas.
Em todo o PREC ajudou-me a entender o que se estava a passar. A seguir ao 11 de Março deram-se as nacionalizações e lembro-me de me ter dito que agora é que a ”revolução” estava a acontecer. E falamos várias vezes sobre o que se poderia passar e o que se ia passando.

Nesse período de revolução e contra-revolução a fábrica atravessou também fases conturbadas. Pelo seu passado político, e apesar de nessa altura já não ter nada a ver com o Partido Comunista, o MRM não deixou de passar momentos difíceis pois haviam boatos de um cabecilha esquerdista de S. Domingos de Rana, de que não me lembro o nome, ter ligações com ele. Havia sinais de haver alguém a entrar à noite nos gabinetes e o MRM passou algumas noites na fábrica, para desfazer boatos e ajudar a manter o controlo da situação.

Profissionalmente, o MRM, em alguns períodos das fábricas, foi quase como “pau para toda a obra”, pois chefiou a Produção, o Desenvolvimento, o Laboratório e Inspecção de Qualidade, e em alguns casos em acumulação. E que eu me lembre sempre com mérito.

Agora é preciso referir alguns aspectos da sua vivência com o Chefe e outros colegas gestores.

Com o EB passou algumas vezes as “passas” do Algarve ( talvez para não renegar as suas origens ). É verdade que o MRM, como extraordinário analista que é, sabia que o EB gostava de irritar as pessoas. Todos recebíamos “descascas” escritas e o MRM não era excepção.

Mas às terças-feiras ninguém podia aturar o EB. Se falo nisso é porque um ano, o MRM quando estava de férias, enviou-lhe por correio para a fábrica um bilhete postal com versos alusivos às terças-feiras insuportáveis do chefe. Foi um sucesso pois o EB encaixou bem com gargalhadas e mostrou-nos o postal. No entanto ainda hoje tenho dúvidas se o postal não foi tudo “obra” do MRM (talvez seja agora o momento de esclarecer a verdade - diz lá Manel).

Chamava-nos ao fim do dia para ficar com ele no “paleio” até às tantas. Mas o MRM era o preferido. Ele lá sabia porquê. E penso que eu também... quem melhor que o MRM analisava as situações da política, sabia opinar sobre qualquer coisa, encontrava as melhores soluções para os problemas.

A propósito tenho de referir aqui que a gestão da fábrica passava sistematicamente por reuniões semanais para discussão comum dos problemas dos diferentes departamentos.

E muitas vezes era o MRM que encontrava a melhor solução, mesmo para um problema que não era do departamento dele.

Cheguei algumas vezes a pensar como é que eu não me tinha lembrado daquilo. Honra lhe seja feita.

E quando havia visitas de coordenadores da Unilever, o MRM chegou algumas vezes a aturá-los porque o director já estava pêlos “cabelos” e pedia-lhe ajuda.

Sobre dificuldades ou discussões com outros colegas, uma vez o MRM teve um problema com o Alvarenga (AL) devido a uma intromissão deste nas coisas do pelouro do MRM) e as coisas azedaram. Só serenaram quando o MRM disse ao AL que se ele também quisesse mandar no Desenvolvimento era muito simples, bastava irem ao chefe e ele que decidisse porque se não fosse na OLÁ havia de arranjar trabalho noutro lado. As coisas ficaram por ali até porque o AL reconheceu que tinha ido longe demais. E não me lembro de ter havido depois quaisquer ressentimentos por parte do MRM.  Clarificadas as coisas a vida continuava.

Socialmente, penso que o MRM gosta muito de conviver, e receber amigos dá-lhe um prazer imenso. Se não fossem as partidas que as pernas lhe pregaram ao dificultarem-lhe melhores e mais saídas ele teria de certeza uma vida mais participativa.

Neste âmbito, vou apenas lembrar uma situação que não esquecerei: A primeira vez que saímos com a família Madeira, e já lá vão mais de 30 anos, ele fez questão de nos deslocarmos no “carocha” dele. E não é que o carro lhe pregou uma partida ao empanar à chegada a Sintra. Parece-me que foi a única vez que vi o MRM realmente embaraçado com uma situação, porque de facto, na vivência comum ao longo dos anos, acabava por dar a volta por cima... com mais facilidade.

Manel, parece-me que tinha obrigação de lembrar-me e relatar mais acontecimentos da nossa vivência comum de tantos anos. Desculpa mas, como sabes, eu nunca fui bom contadores de histórias e a minha memória já não é a que era. Espero que me desculpes.

E a propósito de histórias, lembras daquela que contavas “ Ò mulher, tens água, alguidar, porque que não amassas?... e ela  ... a dar-lhe com a farinha!).

Um grande abraço para vocês. Até breve.»

J.P. Mendonça 12.08.04