Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário
Esta igreja situa-se na Praça da Restauração e foi «fundada no reinado de D. Pedro II / Simão Bispo consagrou a Deus/ a primeira pedra a 4 de junho de 1698» como diz a legenda gravada. É uma igreja em estilo barroco e representa o esforço dos homens do mar que o construíram à sua custa, conforme reza a inscrição do cunhal da torre sineira desse templo. Levou dezassete anos a construir e foi aberta ao culto em 1715, antes de concluída [1722].
Trata-se de um edifício religioso com "dezoito metros de comprimento da porta principal ao cruzeiro, sete metros do cruzeiro ao altar e trono, onze metros de largura e mais quatro no cruzeiro" (1). Em termos arquitectónicos, figuram uma abóbada de berço grandiosa e bem lançada e uma torre de quatro sineiras. A frontaria é alta e rematada por um frontão de alvenaria, com volutas e o tímpano é decorado por um escudo marial coroado e anjos ladeando-o. O portal é encimado por um frontão com decorações esculpidas e as janelas têm ornamentos por cima do lintel. É uma fachada com dois corpos sobrepostos com a particularidade de as janelas alinhadas fazerem lembrar os edifícios civis.
O interior é em forma de cruz latina, de braços ligeiramente apontados, com cinco altares: "o altar-mor; o São Pedro e São João Baptista, na parede do cruzeiro; o altar das almas, do lado da Epístola e o da Nossa Senhora da Conceição do lado do Evangelho. O retábulo da capela-mor é barroco e foi contratado por Francisco Ataíde em 1726. Em termos decorativos destaca-se por ser todo dourado, com um grupo de anjos adorantes debaixo do baldaquino em torno de uma boa imagem de madeira do Jesus ressuscitado e com o seu monumental sacrário de cúpula em charola. Os retábulos colaterais são da fase joanina, em talha dourada sobre fundo vermelho e com um baldaquino sobre os nichos. O retábulo do altar da Nossa Senhora da Conceição é dourado e policromado terminando numa estatueta de anjos e com o escudo português coroado e foi ajustado em 1779 entre os responsáveis do Compromisso Marítimo e o Mestre entalhador Manuel Francisco Xavier. Quanto ao retábulo da Capela do Senhor Crucificado deve ter sido feito nos anos posteriores pelo mesmo entalhador do retábulo de Nossa Senhora da Conceição, pois são idênticos. Já a talha do arco triunfal é rococó, tendo sido contratado em 1784 entre a comissão fabriqueira e Manuel Francisco Xavier" (2). Com excepção do altar-mor que tem a talha um pouco estragada, os três altares da frente são de boa e fina talha e estão em bom estado de conservação.
A particularidade desta igreja é ter na sua traseira uma pequena capela dedicada ao Senhor dos Aflitos. Trata-se de uma capela de fachada centrada, com telhados de quatro águas e janelas com sacadas de ferro forjado. O centro tem um pórtico de três arcos, decorado no interior com azulejos de cor azul e branco, e uma galilé . É enaltecido por um painel de azulejos com o Cristo Crucificado, no exterior. Vê-se da Avenida da República e é resguardada unicamente por uma gradaria de ferro.
(1) Ataíde Oliveira, Monografia do Concelho de Olhão, 1999, p. 146.
(2) Francisco Lameira, Itinerário do Barroco no Algarve, 1988, p. 66.
Fonte: Jubilot, Andreia - Guia Arquitectónico de Olhão - mimeografado, Universidade do Algarve, 2004
Chamamos a atenção de uma nota histórica retirada do site do IPPAR, sobre este edifício actualmente classificado como Monumento de Interesse Público:
Se a instituição do Compromisso Marítimo significou a autonomia dos olhanenses
em relação a Faro, a construção da Igreja Matriz é o resultado da criação da
freguesia de Olhão, formalmente desanexada da tutela de Quelfes em 1695. Por
esta altura, a agora cidade não passava, ainda, de uma aldeia de pescadores,
facto comprovado por uma inscrição no cunhal do lado nascente da fachada
principal, em que se refere que o novo templo foi construído "à custa dos homens
do mar deste povo (...) no tempo em que só haviam umas palhotas".
A escolha do local para a igreja revela bem a importância que a comunidade
reservou ao templo. Na extremidade Norte da vila, num amplo terreiro que se
haveria de assumir, no século XVIII, como a principal praça da povoação, a
igreja não segue a orientação canónica [para leste]; antes possui a sua fachada virada a SO.,
para a vila, numa afirmação de alcance cenográfico sem precedentes no panorama
local, impondo-se também como marca de poder da nova conjuntura.
Os dados documentais apontam para que o processo de construção tenha sido
bastante rápido. A primeira pedra foi solenemente depositada a 4 de Junho de
1698 e em 1715, ainda decorrendo as obras, abriu ao culto, facto que prova como
a vontade dos olhanenses em ter uma nova Matriz se adiantou mesmo à normal
marcha da empreitada. De 1722 é o contrato para a feitura da torre sineira.
Terminadas as obras de arquitectura, só depois se procedeu ao enriquecimento do
interior. De 1726 é o contrato entre o pároco local e Francisco Ataíde para a
feitura do retábulo-mor. O produto que hoje podemos ver constitui o mais alto
retábulo barroco algarvio e um dos melhores exemplos de talha nacional da região
(LAMEIRA, 2000, p.247), uma obra de qualidade acima da média, devida a um dos
mais importantes entalhadores da província ao tempo de D. João V. O contrato
previa que a sua construção levasse dois anos e meio, mas só em 1742 (dez anos
depois) o pároco adjudicou o seu douramento a outros artistas de notável renome:
Clemente Velho de Sarre, seu filho Diogo de Sousa e Sarre, e ainda Francisco
Correia da Silva.
Com esta obra, concluíam-se os aspectos fundamentais relacionados com o culto.
Apesar do seu amplo espaço interior, a igreja pouco tem que ver com a
exuberância do Barroco joanino. De nave única, transepto ligeiramente saliente
(em planta e em altura) e capela-mor rectangular profunda, é uma das melhor
conseguidas obras de arquitectura religiosa algarvia ligada ao ciclo chão, mas
onde existem deficiências de articulação dos elementos. A fachada principal, por
exemplo, organiza-se segundo um alçado cenográfico de enorme impacto
urbanístico, sugerindo um interior mais sumptuoso do que verdadeiramente existe;
e as dificuldades em elevar o espaço determinaram, mesmo, que o arranque da
abóbada de berço que cobre a nave ocultasse parcialmente alguns janelões da
fachada principal.
Uma segunda campanha de obras viria ainda a marcar este conjunto. Na década de
80 do século XVIII, já sob o signo do Rococó, reformulou-se a fachada principal,
que passou a contar com um coroamento de feição triangular irregular, onde
avulta uma gigantesca coroa real, ao centro, ladeada por dois anjos. Ao mesmo
tempo, contratava-se com o entalhador Manuel Francisco Xavier a realização da
talha do arco triunfal e dos dois retábulos das paredes laterais da nave,
dedicados a Nossa Senhora da Conceição e ao Senhor Crucificado. Esta derradeira
campanha de talha relegou o magnífico retábulo-mor para segundo plano, pela
superior escala dos elementos rococós, produtos "do mais prestigiado mestre
entalhador algarvio" desse período (LAMEIRA, 2000, p.326).
Nas traseiras da igreja, existe a Capela da Senhora dos Aflitos, outra
construção cenográfica do tempo barroco, constituída por dois andares, sendo o
superior uma loggia. Este espaço devocional (coroado por um grande painel de
azulejos) reforça o estatuto do conjunto como o mais importante núcleo de
religiosidade de toda a cidade de Olhão.
PAF
No entanto, esta Capela foi só construída em 1948, porque eram muitos os pedidos para ter uma capela onde se pudesse orar em qualquer hora do dia, atendendo que os momentos de aflição não escolhem hora, e inclusivé, deveriam ser mais frequentes quando a igreja estava fechada, durante as noites de temporal em que os marítimos arriscavam a vida!
António Paula Brito de Pina