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Bartolomeu Constantino

Bartolomeu Constantino foi um dos anarquistas portugueses mais proeminentes, senão o mais proeminente, no período conturbado da transição entre a Monarquia e a República.

Ao contrário de quase todos os outros revolucionários do seu tempo, que após a queda da monarquia, se foram rendendo às mordomias e corrupção do novo regime republicano, Bartolomeu Constantino manteve sempre uma grande autenticidade de convicções, tendo morrido em 11 de Janeiro de 1916 na mais completa miséria, com 52 anos.

Ao longo da vida esteve preso 36 vezes!

Tal como vem descrito no Assento de Baptismo nº 145 do Livro dos Assentos dos Baptismos da Igreja da Nossa Sra. do Rosário da Vila de Olhão (existente no Arquivo de Faro) e confirmado pelos Arquivos do Cemitério dos Prazeres em Lisboa (onde ocorreu o seu funeral), Bartolomeu Constantino nasceu em Olhão, na Rua das Lavadeiras, em 23 de Junho de 1863, filho de mãe solteira, Antónia da Cruz, e de pai incógnito, neto materno de António da Cruz e Rosa da Conceição.

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Bartolomeu Constantino

A mãe poderia ser lavadeira, o que é confirmado não só pelo nome da rua em que residia, onde na época trabalhavam as lavadeiras em tanques apropriados, como pela vaga memória que os seus descendentes ainda têm (segundo estas informações, incertas e talvez romanceadas fornecidas pela família, o pai de Bartolomeu Constantino seria um militar francês...).

Não sabemos quanto tempo terá vivido em Olhão (nas consultas efectuadas ao censo de 1863 e 1868, em Olhão, não o encontrámos...) mas teve seguramente uma origem muito humilde pois era sapateiro, provavelmente por influência do seu padrinho, José Francisco Xavier, que tinha esta profissão. Curiosamente os sapateiros constituíam nesta época a classe operária mais instruída do Algarve (Marques, Maria da Graça Maia - O Algarve da antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história - Ed. Colibri, Lisboa, 1999, ISBN 972-772-064-I, p.467) e Bartolomeu Constantino não fugiu à regra: de forma autodidacta educou-se, e dentro da sua actividade política foi sindicalista, actor de teatro e jornalista.

Dotado de qualidades oratórias extraordinárias, tornou-se num exaltado apologista da divisão equitativa da propriedade e das riquezas, passando a sua palavra a ser indispensável nos grandes comícios revolucionários da época.

Abílio Gouveia, num artigo publicado na Voz de Olhão de 3-6-1976 transcreve o comentário que o escritor Rocha Martins faz da actuação de Bartolomeu Constantino na grande parada operária do 1º de Maio de 1893:

Pela primeira vez em Portugal se fizeram em comícios proletários as afirmações duma alta grandeza moral. Celebrara-se a reunião no teatro da Alegria e um anarquista eloquente, o sapateiro Bartolomeu Constantino, fizera vibrar as massas obreiras com os seus arrancos condenatórios da sociedade. Era calvo, de grande barba; os olhos vivos, debruados de vermelho duma inflamação teimosa; a sua voz tocava todas as gamas e, ao erguê-la, furiosa e indignada, o artífice lembrava um apóstolo, como os precursores de cristianismo, pregando, de entre os farrapos, aspirações de fraternidade. Falava para as estrelas, com os pés no pântano; o seu trajo roto esquecia, ante o ardor das suas exortações.

Quando as acabava, entre palmas, ia para o canto humilde da sua casa puxar o fio enserolado com a mão calosa, apertada pelos políticos. Arrebatava o povo e sofria, o honrado trabalhador, o boca de oiro do anarquismo incipiente.

Na sua época - a viragem entre o séc. XIX e o séc. XX - assistia-se ao nascimento de sonhos e utopias, mas também de enganos e mal-entendidos.

Em Portugal, os monárquicos resistiam sem fé à deterioração do seu regime, e os republicanos acreditavam ingenuamente que bastaria destronar o rei para, num passe de mágica, o País reencontrar a sua antiga grandeza.

Noutro registo ideológico, encontravam-se os socialistas não marxistas, os socialistas marxistas liderados por Azedo Gneco, assim como os anarquistas libertários. Todos eles acreditavam que não bastaria acabar com a monarquia para melhorar as condições de vida do povo.

No entanto, enquanto os marxistas e os anarquistas radicais consideravam que o seu objectivo apenas seria conseguido através de uma profunda revolução, quiçá sangrenta, os socialistas não marxistas, também chamados "possibilistas", acreditavam na possibilidade de mudar aos poucos, com pequenas reformas pontuais e dentro do regime existente.

Bartolomeu Constantino era um anarquista muito próximo dos possibilistas, que apelava à mudança com um mínimo de violência, através da educação das massas operárias. Frequentemente esteve próximo dos republicanos, que considerava aliados tácticos, atendendo que a destituição do rei era para ele, um primeiro passo positivo para a libertação e igualdade entre os homens.

Lutou pela criação de plataformas de entendimento entre possibilistas, anarquistas e republicanos, o que lhe valeu encarniçadas críticas dos anarquistas radicais e dos marxistas. Estes últimos, que não lhe perdoavam a independência e o grande protagonismo que tinha junto dos operários, acusavam-no frequentemente de estar mancomunado com a polícia e os capitalistas.

Devido ao seu esforço, primeiro fundou-se a União Socialista, em 1899, e depois a Federação Socialista Livre, em 1901. Esta última Federação era constituída por vários grupos autónomos em todo o País, havendo em Olhão o Núcleo Socialista "Sempre Avante" e em Quelfes o Grupo "Despertar".

Em 1903 Bartolomeu Constantino deixa Lisboa e segue para o Algarve, onde aparece ligado ao Grupo "Libertos", de Faro. Viu-se envolvido nos incidentes ocorridos nesta cidade, em Fevereiro de 1904, por ocasião da visita do primeiro-ministro João Franco. Acusado de ser organizador destes distúrbios, é preso em Junho de 1904, na Associação Marítima, onde residia e, posteriormente, julgado em Olhão no dia 4 de Agosto. É defendido por Afonso Costa (várias vezes futuro primeiro-ministro de Portugal durante a 1ª República) que se desloca ao Algarve. Afonso Costa é então coadjuvado por dois jovens advogados olhanenses que embora não partilhassem da ideologia do réu, acreditavam na sua inocência – João Lúcio e Carlos Fuzeta.

Este julgamento criou em todo o País um extraordinário movimento de solidariedade que abalou a monarquia, mas que não impediu que Bartolomeu Constantino tenha sido condenado à deportação perpétua para Timor. Após o julgamento, Afonso Costa apela da sentença e elogia Bartolomeu Constantino por ser "um operário humilde na sua vida, mas altivo nas suas ideias e crenças", argumentando que "anarquista é-o, tal como foi Jesus".

Apesar da pesada condenação, no início de Outubro de 1904, Bartolomeu é transferido para a cadeia de Lisboa, atendendo dois presos terem fugido da cadeia de Olhão uns dias antes, e em Julho de 1905 acaba por ser liberto devido à grande campanha nacional de solidariedade.

Passa a viver em Setúbal, onde instalou em 1906 um estabelecimento de comidas e bebidas e, em Junho de 1908, fixa residência em Almada (Mutela) onde participa activamente nas lutas sindicais da Federação Corticeira.

Teve um papel muito importante nesta região, durante a revolta que conduziu à proclamação da República em 5 de Outubro de 1910: perante o impasse momentâneo da revolta na véspera, em Cacilhas, Bartolomeu Constantino incita e arrasta os operários com o seu discurso inflamado. No dia seguinte, é um dos que proclamam a tão desejada República em Almada.

Após a República, promove o primeiro Congresso Anarquista português de 11 a 13 de Novembro de 1911 (na qualidade de secretário da Federação Anarquista da Região Sul) e dirige o jornal "Comuna Livre" (órgão da União Anarquista Comunista), sendo detido novamente em 1912. Depois da libertação passa a residir em Chaves e, em Janeiro de 1915, foi eleito para a Direcção da "União Operária Transmontana" e, em Agosto do mesmo ano, Secretário-Geral da União Anarquista Comunista.

Regressa a Lisboa, sendo a sua última morada uma loja do Beco da Ricarda, nº 4, na freguesia do Sacramento.

Quando morre em 11 de Janeiro de 1916, na mais completa miséria, a emoção nas classes operárias foi enorme. Segundo os relatos do jornais da época, ao seu funeral ocorrido dia 16 de Janeiro no Cemitério dos Prazeres, assistiram mais de 20.000 pessoas e foi necessário construir oito tribunas para que usassem da palavra todos os oradores que lhe quiseram prestar a última homenagem.

Terá sido o único grande revolucionário da época, que o foi sinceramente até à morte!

Em 1916, o Jornal O Setubalense anunciava que a sua antiga companheira - Júlia Cruz - e filhos agonizavam de fome num mísero quarto de Lisboa, sem cama para dormirem e um cobertor para se agasalharem! Este periódico abriu uma subscrição para ajudar a família de Bartolomeu Constantino, a que concorreu a esmagadora maioria do proletariado setubalense. Também alguns elementos da burguesia setubalense contribuíram na colecta, o que comprova o respeito que a memória de Bartolomeu Constantino granjeava, mesmo de sectores socialmente diferentes.


Fotografia de 1912, fornecida pela bisneta (Dulce C.): da esquerda para a direita temos Bartolomeu Constantino, o seu filho mais novo, Lingg C. (com 7 anos), sua companheira, Júlia da Cruz (professora primária), seu filho mais velho, Antero C.

Bartolomeu Constantino viria a ter ainda mais uma filha, Ana Constantino, nascida em Janeiro de 1914, em Chaves.

Sabemos que em 1917, Júlia da Cruz vivia em Lagos e recebia correspondência dirigida à União das Associações das Operárias de Lagos. Posteriormente,  aderiu ao Partido Comunista, passou a viver com um militante comunista - Alfredo Cruz - que chegou a estar preso no Tarrafal, de quem teve mais dois filhos.

Agradecemos comovidamente à família as fotografias e as informações que nos forneceram.

 

António Paula Brito

Fonte: