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Versos de Adriano Baptista que foram declamados, no Grémio Olhanense, na noite de 28/3/1937 com as seguintes declamadoras: 

 

Flor da Amendoeira

 

Milagre que a lenda reza

Eu já fui, Senhor, um dia!

P´la minha estranha beleza

De infinita poesia!

 

Quis um Rei, que eu parecesse

Como a neve – branca e fria!

P’ra que assim desvanecesse,

Da Moira sentimental,

A saudade e nostalgia

Da sua Terra natal !

 

E por amor – quem diria!

Nesta Terra portuguesa

Eu já fui, Senhor, um dia,

Milagre que a lenda reza!

- Como a neve, branca e fria!...

 

24-02-1937

 

 

 

 

 

 

 

Rosa

 

Mais formosa

Do que a rosa

Crê, amor,

Não há nenhuma!

Seja ou não da cor da espuma,

Ou vermelha, ou doutra cor!

Como a rosa não há flor!...

 

Adros

Cobertos

De rosas

Em flor

São adros

Juncados

De beijos

d'amor!

 

Cantinhos

De ninhos

Sem rosas

No chão,

É certo

Que feitos

De beijos

Não são

 

Mais formosa

Do que a rosa

Não encontras, sinto bem!

-Esta flor

tem o frescor

que mais flor alguma tem!

 

29-02-1937

 

Camélia

 

Eu não nego, reconheço

Que sou camélia vaidosa

E, sobretudo, orgulhosa

Das distinções que mereço…

 

Sou querida entre as mais belas!

E já senti a beleza,

Dos lábios duma princesa,

Nas minhas folhas singelas!

 

Também senti a ventura

De viver horas, sozinha

Sob o calor e a frescura

Do colo duma rainha!

 

Mas não nego, reconheço

Que sou Camélia vaidosa

E, sobretudo, orgulhosa

Das distinções que mereço…

 

24-02-1937

 

 

Saudade

 

Porque lhes custa sentir,

Sem poderem impedir,

Uma saudade sem fim,

Todos se queixam de mim!...

 

Mas saudade quem não sente?

Saudade! Quem a não tem?

Ela vive em toda a gente

E dentro de mim também!...

 

Sou saudade

É bem verdade,

 

Mas só no nome… e quem há-de

Acreditar na maldade

Das penas que andam comigo,

Porque me chamam saudade?!...

 

Assim, por fatalidade,

Sou mártir em as sentir

É mártir por ter de ouvir

Quem se queixa da saudade!...

 

22-02-1937

 


Flor da Saudade ( Armeria welwitschii ) - foto de Augusto Mota

Miosótis

 

A minha cor azulada,

Azulada noite e dia,

É a cor purificada

Do lindo olhar de Maria!

 

À bendita claridade

Da luz do Sol – quem diria!

Sou toda simplicidade

Da encantadora harmonia!

 

‑ As penas, leva-as o vento!...

Quem dera que tal se desse!

‑ Simboliza o esquecimento

Mas, de mim tudo se esquece…

 

E toda simplicidade,

Esquecida, pequenina,

Sou despida de vaidade

À bendita claridade

Do Sol que nos ilumina!

 

20-02-1937

 

Amor-perfeito

 

Vou vivendo contrafeito

Só porque dizem que sou

Amor-perfeito!...

 

E iludido

Quem viverá,

Bem convencido

Que amor sentido

Ainda há?!...

 

Já embalei corações

E também, p´la minha mão,

Evitaram mil traições

Em tempos que já lá vão.

 

Mas hoje canção vencida,

Sou vertigem e tontura;

Gosto e desgosto da vida;

Bem e Mal que se procura!...

 

22-02-1937

 

 

Violeta

 

Junto à Terra, penso bem,

Em como é belo na vida

Viver a gente escondida

Sem que nos veja ninguém.

 

Sou violeta fugida

Do mundo que, se me vê,

É certo de mais até,

Em seguida

Sou colhida…

 

Se flor colhida é flor morta!...

Escondida vivo bem;

Conquanto que a mão d’alguém

Nunca bata à minha porta…

 

E por isso, sinto bem,

Em como é belo na vida

Viver a gente escondida

Sem que nos veja ninguém…

 

23-02-1937

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Malmequer

 

As minhas folhas esguias,

Que em toda a parte se vêem,

Iludem todos os dias

Namorados que em mim crêem!

 

Os pares de namorados,

Vão desfolhar-me, julgando

Que lhes vou adivinhando

Os pensamentos!... Coitados…

 

Mal me quer!...

Pensam, assim,

Os noivos, da noiva amada,

Se a sorte lhes dá, no fim,

Dizer:

Muito… pouco… nada…

 

Crentes da falsa verdade

Maldizem, d’olhos no chão,

A cruel sinceridade

Que lhes põe, sem piedade,

O luto no coração.

 

25-02-1937

 

 

Cravo

 

Nas feiras, nas romarias,

Em festas d'amor sem fim,

Não há Manéis, nem Marias,

Que não se lembrem de mim.

 

E, nas tardes das toiradas,

O meu valor se revela

Seguro às tranças doiradas

Da mais formosa donzela.

 

Eu sou a flor preferida!

Mas... que ninguém sinta inveja

Da minha sorte na vida!

-Vivo assim se alguém deseja,

Mas... depois de ser colhida...

 

E é certo que flor colhida

É flor que morre em seguida

 

26-02-1937

 

Papoila

 

Fui criada entre trigais!...

 

E às vezes penso comigo

Que toda a gente devia

De ser criada entre trigo,

À claridade do dia!

 

Longe das bocas do mundo

E do mar alto, também,

Vivo em, sossego profundo

Como não vive ninguém.

 

Ali, na tranquilidade

Dos campos, é que se sente

A infinita bondade

Do Senhor, eternamente!...

E ainda mais se, por sorte,

Nos vem beijar, mansamente,

A brisa fresca do Norte!

 

E por isso – quem diria!

Às vezes penso comigo,

Que toda a gente devia

Ter a minha f’licidade

Viver assim entre o trigo,

Naquela tranquilidade!

 

28-02-1937