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Jakob Job in Land der Christusritter Portugal

Texto extraído de livro de viagens da autoria de Jacob Job, publicado na Suíça em 1951 (Jakob Job - PORTUGAL, land der christusritter - Eugen Rentsch Verlag, Erlenbach- Zurich, 1951, Switzerland), segundo tradução de Elviro Rocha Gomes na "Voz de Olhão" em 30 Novembro de 1984. Jacob Job foi Director da Rádio Zurich e visitou Olhão em finais da década de 1940, tendo sido recomendado a Francisco Fernandes Lopes pelo amigo de ambos, Dr. Ivo Cruz, Director do Conservatório de Lisboa e, também ele, filho de olhanenses.

Por mais paradoxal que pareça, uma das coisas notáveis de Faro é a vizinhança de Olhão e algo de muito interessante em Olhão é o velho Dr. Francisco Fernandes Lopes. Olhão é uma vila muito especial, como não há outra em todo o Portugal e quiçá mesmo na Europa. E o Dr. Lopes, médico, é um daqueles fenómenos com que dificilmente deparamos hoje em dia. Não só fala meia dúzia de línguas, exerce larga clínica e é chefe de uma policlínica, mas é também um musicólogo invulgar, compositor, tradutor, poeta, escritor, filósofo e crítico de arte. Na sua vila de pescadores faz conferências sobre Bach e sobre música moderna; no Liceu de Faro tem durante muito tempo ensinado línguas.

Traduziu para português as óperas de Wagner e as grandes oratórias alemãs, adaptou óperas italianas, escreveu textos para compositores e musicou por sua vez trechos de poetas portugueses. "A Natureza que se vingue!» - comenta ele rindo. É preciso recuperar o que as gerações anteriores desaproveitaram. Seu pai, por exemplo, não sabia ler nem escrever.

Está tão à vontade nas literaturas dos vários países estrangeiros como nas obras mais representativas dos filósofos contemporâneos. Assim que soube que eu tinha vivido em Nápoles, perguntou-me logo sobre Benedetto Croce.

O Dr. Lopes é a glória de Olhão. Quando se vai a seu lado pelas ruas, a cada passo que se dá, tem-se logo a consciência disso! Quase não há pessoa que o não saúde! Tão importante é a sua personalidade que a própria Câmara já mandou pôr o seu nome a uma das ruas da vila. Eis-nos em frente do rectangulozinho onde se lê: «Rua do Dr. Francisco Fernandes Lopes - Médico e filósofo erudito». «Não deixa de ter uma graça muito especial - comenta sorrindo - o ser capaz de viver com a nossa pedra tumular sempre em frente dos olhos»!

Percorro a seu lado a pequena vila cujas fábricas de conserva são notáveis. Existem algumas dúzias de empresas de preparação e conservação do peixe e na costa há sempre movimento e policromia. O cais é uma teia de velas e mastros.

Duas vezes por ano o atum passa pela costa algarvia: entre Abril e Junho dirige-se ao Mediterrânio, onde costuma desovar; entre Junho e Agosto faz a viagem de regresso. Fica então em frente da costa o "Mare Atum", o mar do atum, e chegou a estação alta para os pescadores. Com fortes redes de malha grossa os barcos rumam ao oceano em noites estreladas. "Adivinhos" acompanham os pescadores, indicando-lhes os locais onde é de esperar a maior passagem do atum. Pelo seu trabalho recebem uma parte da captura.

As redes são estendidas por centenas de metros. Os peixes são cercados e rapidamente se fecha o cerco. Como num saco gigantesco, os grandes animais ficam agora apanhados entre os barcos, que se aproximam cada vez mais, para que, entre eles, a captura fique suspensa no fundo como uma carga pesada. E começa então aquela "matança", tal como eu já as conheço das "câmaras da morte" do mar das sardinhas: investe-se contra os animais com arpões e mocas e a esta matança sangrenta chama-se "copejo".

No meio duma gritaria selvagem os pescadores precipitam-se para as suas sacas, incitando-se contínua e reciprocamente. Os corpulentos animais, que por vezes pesam centenas de quilos, comportam-se selvaticamente, dão altos saltos no ar, tentando escapar. Porém, quanto mais fortemente se defendem, tanto mais selvática se torna a avidez dos atacantes. O mar torna-se vermelho de sangue e faz um estranho contraste com o céu claro que, azul profundo e grave, ilumina este campo de batalha.

A vila está directamente à beira-mar, sobre uma superfície de aluvião arenosa. É toda edificada regularmente e dá-nos a impressão perfeita de ter sido arrancada de algures no deserto e posta aqui. Que delícia para um pintor cubista! É que todas as casas são dados cúbicos e brancos, com telhados planos sobre os quais se erguem outras construções cúbicas e brancas mais pequenas, a que conduzem íngremes escadas exteriores. Uma vez no topo de uma destas, vê-se em baixo um emaranhado de telhados brancos, escadas, terraços, torres, torrezinhas, e chaminés de vários formatos. É como se se vissem de cima as escavações de Herculanum ou de outra cidade em ruínas.

Chamam-se "mirantes" estas construções que se erguem em cima das outras. As mais altas, muitas vezes pequenos varandins ou torres esguias, mas sempre com acesso, têm o nome de «contra-mirantes».

Subo com o Doutor a uma dúzia de telhados e construções sobrepostas. Ele conhece todas as casas que têm especial interesse ou oferecem panorama digno de nota. Entramos em padarias, em galinheiros, abrimos passagem entre brinquedos de crianças e quinquilharias, até alcançarmos os degraus e as escadas que levam às açoteias. Os panoramas são, por vezes, quase de molde a causar vertigens. E entre as casas brancas correm as longas ruas calcetadas com pedras brancas e pretas e isto dá origem aos mais bizarros ornamentos.

Para finalizar visitamos a própria casa do Doutor. É um bonito edifício cuja escadaria está revestida de azulejos multicolores. O pequeno terraço e as janelas brilham com flores; os compartimentos estão cheios de quadros, bustos e objectos artísticos de todos os países. Naturalmente por cima há também um mirante e contra-mirante e o olhar estende-se para longe, por sobre o mar de telhados até ao Oceano de azul profundo.

Sentamo-nos um ao pé do outro na sala de música e ele apresenta-me as suas quatro filhas - lindas e sossegadas raparigas a quem deu os mais estranhos nomes. Uma chama-se Belkiss, outra Isis. Uma é pintora, uma segunda pianista, a mais nova, formosa como uma estampa e muito viva, ainda frequenta o Liceu de Faro. Junto das quatro filhas um único filho, médico como o pai. Sentamo-nos em almofadas turcas e orientais, bebemos café forte e saboreamos o bom doce português.

Assim se faz rapidamente noite. Tenho de regressar a Faro. Atrás de mim a vila afunda-se no crepúsculo do dia que se apaga - a vila, que não mais esquecerei, dos dados brancos e dos mirantes ...

 

O que eles escrevem:
. Raul Brandão
. Zeca Afonso
. Aquilino Ribeiro
. Manuel da Fonseca - Fuzeta
. Manuel da Fonseca - Olhão