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Um baptizado com o Padre Delgado
Em finais dos anos de 1950, o meu tio Domingos Cavaleira (que tinha a casa de bicicletas entre o edifício da Alfandega e o restaurante Isidro), a quem chamavam o Tarzan pela largura do corpanzil, era íntimo duma mulher conhecida pela Macaca (de nome próprio Leonor, e que vivia na R. da Cerca). Esta mulher geria uma casa de meninas dedicada a homens de menores posses económicas, embora másculos q.b. nas necessidades....
Nessa época, o pároco de Olhão era o célebre Padre Delgado, cónego ilustre, muito conservador mas também muito culto, com formação universitária em Portugal e Itália, responsável pela criação do Asilo para idosos na vila de Olhão.
Conta-se aliás que, aquando da criação deste Asilo, o Padre Delgado deparou-se com a dificuldade de as camas não chegarem para o elevado número de idosos que entravam, pelo que resolveu o problema casando uns com os outros, tendo inclusive sobrado camas
O Padre Delgado era assim um religioso conservador mas também muito pragmático, o que incluía a gestão cuidada das finanças da sacristia.
Um dia sucedeu que uma das meninas da Macaca teve um filho, evidentemente de pai incógnito, o que até seria normal, dadas as circunstâncias.
No entanto, embora fosse normal a desgraçada criança não ter pai, seria sempre profundamente anormal, e até imoral, não ter padrinhos e um baptismo católico. Daí que, a criança, a mãe, a Macaca e o meu tio Domingos, apresentaram-se na Igreja para baptizar a criança, oferecendo-se estes últimos como padrinhos.
O Padre Delgado ouviu o pedido e puxando um braço ao meu tio Domingos explicou-lhe, intimista:
- Bom, tu não és casado com ela [a Macaca], pelo que não podem ser padrinhos, mas podemos arranjar solução: o Santo António poderá ser o padrinho e a Nossa Senhora a madrinha. Concordas?
O meu tio Domingos concordou, conformado, embora muito despeitado pela afronta de não ter o suficiente para ser considerado um bom padrinho.
Depois do baptismo, e já com as pessoas a quererem seguir para os seus afazeres, novamente o Padre Delgado puxa-lhe o braço de forma intimista:
- Sabes, agora que a criança está baptizada e atendendo que a Igreja tem as suas dificuldades, tu devias pensar em dar qualquer coisinha
- Eu!? Porque é que não vai o Sr. Padre pedir isso aos padrinhos?!
António Paula Brito, 2003