Associação de Valorização do Património Cultural e Ambiental de Olhão

OLHÃO PARA O CIDADÃO

Entrevista ao jornal Brisas do Sul de 31 de Julho de 2008

 

APOS EM DEFESA DO PATRIMÓNIO OLHANENSE

 Parecendo ser começar pelo fim vamos, desde já, enunciar algumas das iniciativas já tomadas pela APOS (leia-se APÓS), para, de certo modo, identificarmos o leitor com esta Associação de Valorização do Património Cultural e Ambiental de Olhão:

Agora, sim. Já sabemos o que fez a APOS, é asado perguntar ao seu Presidente, Dr. Paula Brito:

 

Brisas do Sul – Como se formou e a que se propõe a vossa Associação?

 Paula Brito –" Ora, a APOS nasceu em meados de 2006, a partir de uma página da Internet, página essa que foi criada por mim quando era deputado municipal, do Partido Socialista, em 2002.

 Entre 2002 e 2005 fui deputado municipal e, na altura, criei uma página na Internet que teria a função de promover uma comunicação transparente entre a Assembleia Municipal e os cidadãos; tratava-se de uma página pessoal e foi sempre a página "não oficial" mas que tinha, também, a intenção de, adicionalmente, promover a cultura olhanense e a nossa identidade.

Nessa página da Internet havia um Fórum onde as pessoas podiam participar dizendo o que lhes aprouvesse sobre assuntos do Concelho. Nesse Fórum aparecia, de vez em quando, quem aflorasse a questão de que era necessária uma associação que defendesse o património de Olhão, uma associação da sociedade civil.

Depois de ter deixado a Assembleia Municipal deixei também a política partidária."

 

Brisas do Sul – Estava-se a caminho da formação de uma associação de cariz muito especial, gerada nas malhas de Internet…

Paula Brito –" De facto, em determinada altura, houve um conjunto de cidadãos que propôs, no Fórum, que nos encontrássemos e foi assim, com um reduzido grupo de amigos, que começámos a trabalhar na elaboração dos Estatutos e na escolha do nome; às tantas fizemos uma sessão pública de divulgação, conseguimos eleger os Órgãos Sociais da APOS e, em 2006, formalizámos a formação da Associação. Curiosamente – como disse – é uma associação que nasceu da Internet, embora seja uma associação local mas, na realidade, as pessoas começaram a falar pela Internet."

 

Brisas do Sul – Que metas pretendiam atingir com essa "net"-associação?

Paula Brito – "Consideramos – e era essa, então, a intenção da APOS – que é necessário promover uma melhor qualidade de vida aos olhanenses, aumentar a sua riqueza monetária; melhorar a sua qualidade de vida através da promoção do seu património e, ainda por cima, porque vivemos numa região turística.

Para nós, o património é algo que pode dar dinheiro e qualidade de vida aos olhanenses. O turismo rural é uma alternativa cada vez maior ao turismo de praia e Olhão nunca pode almejar crescer e ser uma terra turística à conta da praia. Apesar de tudo – devido ao contexto jurídico, legal – as Ilhas que nós temos nunca poderão fazer desta zona uma zona turística, de praia."

 

Brisas do Sul – Qual será, então, a opção?

Paula Brito – "Temos que nos voltar para um turismo que tenha a ver com o nosso património, que pode ser património ambiental mas, também, cultural e arquitectónico.

Olhão tem coisas que distinguem a terra de todo o mundo; o património, no fundo, é aquilo que nos distingue dos outros. Se nós vendemos "isso" que nos distingue dos outros para efeitos turísticos, conseguimos atrair aqui gente e animamos empresas turísticas, animamos o comércio, animamos toda a actividade económica. Esse é o nosso objectivo: promover o património de forma a dar qualidade de vida aos olhanenses."

 

Brisas do Sul – A Associação não é algo de abstracto. Na Direcção da APOS estão envolvidas pessoas representativas da nossa sociedade civil; pretende falar-nos de algumas?

Paula Brito – "A Direcção (digamos que a mais política) tem sido feita por mim e pelo Vítor Matias, que é o Vice-Presidente; existem outros elementos da Direcção que têm colaborado, nomeadamente o casal Pires, o Sr. Deodato e a Sr.ª D. Conceição; são pessoas que têm ajudado muito em tudo o que é preciso, por Olhão e por estas causas. Por isso, seria imperdoável eu deixar de os referir. Destaco também o Presidente da Assembleia-geral que é o José Castanheira – também deputado municipal – não havendo confusão entre a sua actividade política e a nossa Associação."

 

Brisas do Sul – Claro que têm projectos, têm intenções. Ao longo da vida da Associação quais as intenções que foram realizadas e quais as que, pelo contrário, se saldaram pelo insucesso?

Paula Brito – "Eu acho que o grande sucesso foi a APOS ter conseguido provar que é possível exercer a cidadania sem subserviência e que é possível pressionar as entidades sem estarmos integrados em partidos políticos.

Por exemplo: nós temos sido um grupo de cidadãos que tem tido alguma importância e tem funcionado como um grupo de pressão e temos feito isto sem subserviência e sem pertencermos ou estarmos enquadrados em qualquer partido político.

Eu penso que, só por si, o facto de termos criado uma associação que tem capacidade política, de cidadania, é uma vitória.

Por outro lado, também penso que conseguimos pôr o dedo na ferida que é o esquecimento que os olhanenses têm tido relativamente ao seu património, nomeadamente aos bairros cubistas, aos bairros mais antigos da cidade; isso é algo que nós recuperámos do legado do Dr. Francisco Fernandes Lopes que sempre explicou o que era importante em Olhão: a tal arquitectura cubista; e, de facto, mais importante do que as nossas igrejas, ou outros edifícios antigos que nós tenhamos, o que mais nos distingue (porque existem outras igrejas noutros sítios) é o que só existe em Olhão: estas casinhas cubistas e, nós, de alguma maneira, pusemos o dedo nessa ferida e parece que já tivemos algum sucesso aí, até a nível político: reorientar as intenções, de melhoria e de divulgação do nosso património que estava esquecido – os bairros cubistas, degradados, são importantes."

 

Brisas do Sul – Fale-nos de outras acções.

Paula Brito – "A par de algumas coisas em que tivemos sucesso, houve duas grandes coisas em que não o tivemos. Estou a lembrar-me, por exemplo, da história da viagem do caíque que tentámos organizar e não conseguimos.

Desde Novembro de 2007 nós mais nada fizemos em relação ao assunto porque a Câmara Municipal nunca nos contactou sobre o assunto e só pela Comunicação Social é que nos fomos apercebendo de algumas coisas que estavam a decorrer ou, mais propriamente, a não decorrer. Penso que houve um grau de inépcia e uma grande inércia da Câmara Municipal nesse aspecto e uma falta de interesse muito grande.

No que diz respeito a isso nós, em Janeiro de 2007 (há mais de um ano) começámos a pensar no assunto, contactámos a Associação Naval de Cruzeiros de Vela (uma associação que já promoveu uma viagem de veleiros de Lisboa até ao Rio de Janeiro, no ano de 2000, ano das Comemorações dos 500 anos da Descoberta do Brasil) e, então, perguntámos à associação se estariam interessados em fazer mais uma travessia; mostraram-se interessados até porque, este ano, vão partir em Julho (curiosamente batia certo com as datas do nosso caíque!) Vão fazer, de facto, um cruzeiro que partirá em Julho, da Marina de Portimão para o Funchal onde vão comemorar os 500 anos da Fundação da cidade do Funchal e, assim, havia a possibilidade de alguns desses veleiros (caso houvesse uma boa promoção do evento) seguirem até ao Brasil. Isto, só por si, já era um facto interessante, mais interessante seria se o caíque fosse com eles.

Propusemos isso à Câmara Municipal e propusemos também alterações ao caíque e, até, o nome do Comandante – tudo isto por escrito! Divulgámos o projecto junto da Associação dos Municípios do Algarve, junto da Região de Turismo do Algarve, da Governadora Civil, da Associação da Indústria de Hotelaria mas notámos uma grande inércia e uma grande falta de interesse por parte do Sr. Presidente da Câmara. Houve, de facto, enormes atrasos e não vimos – nunca vimos – que o Sr. Presidente da Câmara tenha feito algo além de aparecer no jornal! Nunca conseguimos que ele fizesse um simples telefonema para a Associação Nacional de Cruzeiros de Vela. Portanto, um Presidente que não é capaz de fazer um simples telefonema a promover esta viagem não vejo que possa considerar-se ter interesse por esta viagem."

 

Brisas do Sul – Que outras iniciativas pode enumerar?

Paula Brito – "Houve uma outra iniciativa que teve a ver com a candidatura a Fundos Comunitários para requalificação do Bairro da Barreta. Essa nossa pretensão não foi aceita pela nossa autarquia. A Câmara Municipal de Olhão argumentou, na altura, que iria trabalhar um projecto semelhante.

Embora estas coisas não sejam transparentes, tenho a ideia de que, de facto, a Câmara, através de uma empresa, elaborou um projecto que poderá ter alguns objectivos semelhantes ao nosso anterior projecto. Mas não sei; não sei, porque os olhanenses têm dificuldade em saber o que é que se passa na Câmara e eu sou mais um, como todos os outros."

 

Brisas do Sul – De toda a série de iniciativas tomadas, gostaria que me citasse uma que tivesse sido concretizada em pleno.

Paula Brito – "Ora bem. Em 1º lugar eu penso que o anterior projecto da Barreta – que já referi e que não funcionou – terá funcionado parcialmente porque a verdade é que nós acreditamos que foi determinante também para a Câmara avançar nesse sentido.

Em 2º lugar, nós temos editado a nível electrónico, na nossa página da Internet, várias publicações a propósito das Comemorações dos 200 Anos, facto de que nos orgulhamos porque reeditamos livros sobre a nossa história que, neste momento, estão esgotados.

Em 3º lugar, nós temos tido iniciativas de divulgação e lúdicas, nomeadamente passeios culturais; já fizemos uns 7 ou 8, não só dentro de Olhão mas também fora; já chegámos a ir até Mértola.

Finalmente, outras questões que, de facto, nós conseguimos: por exemplo, demos entrada de processos de classificação de edifícios de Olhão, no sentido de proteger e valorizar o património. Um deles foi os Mercados Municipais; fomos nós que fizemos o processo de classificação que entrou no IPPAR (Instituto Português do Património Cultural) com sucesso; neste momento o IPPAR está trabalhando para ultimar esse processo de classificação. (No final da entrevista, em anexo, se esclarece o que significa processo de classificação patrimonial)

Fomos também nós quem fez um processo de classificação da Casa Dr. Carlos Fuzeta, que evitou a sua demolição.

Igualmente fizemos o processo de classificação da Casa Baeta, na Avenida Dr. Bernardino da Silva (onde esteve instalada a Galeria Adriano Batista); esse processo de classificação não foi aceite pelo IPPAR de âmbito nacional. (Há dois processos de classificação, de níveis diferentes: o de âmbito nacional que é gerido pelo Instituto, e um outro de âmbito menor, municipal, que é gerido pela Câmara. Depois de termos feito o processo, em termos administrativos, mandámo-lo para a Câmara, com conhecimento ao IPPAR. Cabe agora à Câmara avançar com esse processo se achar que a Casa Baeta tem interesse municipal. Nós, evidentemente, achamos que tem porque tem azulejos de Jorge Colaço, artista de renome mundial, com azulejos colocados no Palácio de Windsor, o Palácio da Rainha de Inglaterra, e em muitos outros países do mundo. Parece-nos que seria uma desgraça se aquela obra fosse destruída.

Por outro lado, devo dizer que a Casa Baeta é um símbolo e um Hino a Olhão. Neste momento já algumas coisas foram destruídas ou retiradas; por exemplo, as esferas armilares que, quando lá foram postas, existiam também na bandeira de Olhão como símbolo da viagem do caíque. Os painéis mostram tudo quanto era importante em Olhão naquela altura: a viagem do caíque, a revolta contra os franceses, a indústria da pesca, a indústria conserveira, o mar. Portanto, toda aquela Casa é um Hino a Olhão e, sendo painéis de um artista de renome mundial têm, pelo menos, interesse municipal."

 

Brisas do Sul – E quanto ao futuro?

Paula Brito – "Quanto ao futuro, temos entre mãos e está praticamente concluído (felizmente sem ajuda de entidades oficiais, por enquanto) um roteiro turístico-cultural de Olhão, inclusive com tradução para inglês. Parece-nos muito importante na medida em que poderá promover a terra e, portanto, aumentar a actividade turística e comercial e fazer aquilo que nós pretendemos: dar melhor qualidade de vida aos olhanenses através da promoção do seu património."

 

Brisas do Sul – Para finalizar: a APOS esteve envolvida na vinda a Olhão de um Embaixador muito especial!

Paula Brito – "Ora aí está. Essa é outra questão em que nós tivemos sucesso! Nesta política de promover o nosso património aos outros e dar visibilidade a Olhão, nós, atendendo a termos descoberto alguns artigos do Dr. Francisco Fernandes Lopes falando da passagem por Olhão de uma personalidade histórica de Andorra – que foi o "Rei de Andorra" durante uma semana – ao termos conhecimento disso e ao termos "desenterrado" dos arquivos históricos (fomos várias vezes à Biblioteca Nacional) fomos pesquisar e encontrar vários artigos do Dr. Fernandes Lopes que saíram em jornais, sobre o assunto, e, depois, o facto de termos uma página na Internet, permitiu-nos completar o puzzle sobre a vida deste "Rei de Andorra". Este individuo que, de facto, foi o Rei de Andorra, foi expulso para Portugal tendo chegado a Olhão onde se lhe perdeu o rasto. Inclusivamente, em muitas enciclopédias, quando se fala da vida deste homem, os conhecimentos eram interrompidos por volta de 1942/3, dizendo-se que teria morrido num campo de concentração, durante a 2ª Guerra Mundial.

Ora nós descobrimos que, na realidade, o homem teve uma vida atribuladíssima mas que só morreu em 1989, calmamente, na Alemanha, numa cidade chamada Boppard. Ao descobrirmos isto – não só devido à nossa pesquisa e partindo dos artigos do Dr. Lopes mas também devido ao contributo de muitos estrangeiros que nos contactaram – (nós disponibilizamos de forma transparente a todos os olhanenses ou outros, na Internet) ao descobrirmos isto, demos esta informação a Andorra e fomos contactados pelo seu Embaixador que considerou a informação muito curiosa e manifestou, depois, o seu interesse em vir aqui a Olhão e já veio.

Nós, no seguimento das relações transparentes que temos com as entidades oficiais em Olhão e sempre por Olhão, solicitámos à Câmara que o recebesse e assim sucedeu."

 

Brisas do Sul – Dr. Paula Brito, Presidente da Direcção da APOS, deixe-nos uma mensagem de esperança nos êxitos futuros da Associação.

Paula Brito – "Eu acho que, apesar de tudo, nós não somos só causa, somos consequência. Consequência do facto dos olhanenses perceberem – melhor agora do que há uma semana, um mês, dez ou vinte anos – que, promover o nosso património, é bom para nós em termos de melhoria da nossa qualidade de vida, da nossa auto-estima e da nossa Felicidade. E, portanto, mesmo que nós não existíssemos, eu penso que o Futuro vai ser melhor do que o passado. Mas, o facto de termos existido, provou, em 1º lugar, que é possível; é possível criar associações como esta aqui em Olhão, e exercer pressão, sem subserviência. Sem subserviência, repito. É possível, sem apoios de entidades oficiais, conseguir dar visibilidade a Olhão, tal como nós o fizemos; o que nós provámos – isso é muito importante – é que não precisamos de ficar à espera que as entidades oficiais nos dêem subsídios ou outros apoios; nós, sozinhos, conseguimos se tivermos capacidade de trabalho e imaginação para criar soluções independentes e sem subserviência.

Nós provámos que isso é possível e que, se ultrapassámos a 1ª fase da vida da APOS – que foi a mais difícil – então, seguramente, o Futuro será muito mais fácil."   

 

Entrevista conduzida por Carlos Meleiro

Anexo: Segundo a legislação em vigor, qualquer cidadão poderá propor ao IPPAR a eventual classificação patrimonial de edifícios e, quando estes processos são deferidos e até à sua conclusão, todas as modificações no edifício ou em qualquer outro edifício, num raio de 50 metros, terão de ser devidamente autorizadas pelo próprio IPPAR

Esta proposta necessita do trabalho de recolha histórica e arquitectónica para justificar cabalmente a pretensão. Caso o IPPAR considere que o edifício não tem interesse nacional, poderá, ainda assim, considerar que tem interesse municipal mas, neste caso, deverá ser a Câmara Municipal a responsabilizar-se pelo mesmo.

A APOS queixa-se de que a Câmara Municipal não tem demonstrado iniciativa na instrução destes processos. Segundo a APOS, enquanto esta associação já protagonizou três destes processos (Casa do Dr. Carlos Fuzeta, Casa Baeta e Mercados Municipais) a Câmara Municipal não teve uma só iniciativa.

A vantagem para Olhão em ter edifícios classificados como de interesse patrimonial é poder utilizá-los como ícones de atracção turística. Por outro lado, o Estado dá algumas vantagens fiscais aos proprietários destes imóveis.