Doc. 431

 

 

[Declaração dos feitos de Sebastião Martins Mestre por José Lopes de Sousa]

 

 

José Lopes de Sousa, Marechal de Campo dos Reais Exércitos do Príncipe Regente Nosso Senhor, que Deus Guarde, e actualmente Comandante da Vanguarda do Exército do Sul, etc.:

 

Atesto que o Tenente-Coronel Sebastião Martins Mestre, empregado nesta campanha às minhas ordens, ao que deu princípio quando veio voluntário unir-se a mim no dia dezassete de Junho do presente ano no Lugar de Olhão, dia subsequente ao da Revolução, que formei contra o inimigo naquele lugar; conduzindo-me cento e trinta espingardas que a Junta de Governo da cidade de Ayamonte lhe deu por auxílio, que lhe reclamou achando-me então no arriscado conflito à frente dum povo desarmado, e aproximado a superiores forças do inimigo na distância de uma légua, na cidade de Faro; que em todo o serviço tem dado as mais patentes provas do seu patriotismo, valor e préstimo e demais louvores e exemplo dos seus subalternos, animando igualmente os povos com os quais tem concorrido a formar as Juntas provisionais de Governo, tanto na província do Alentejo, onde tem sido mandado como na da Estremadura, resultando destes serviços a impulsão do inimigo, e a Gloriosa Reclamação do Príncipe Regente Nosso Senhor; que ele, no dia 16 que eu dei princípio à Revolução, já se achava a bordo da Esquadra inglesa surta na costa próxima ao Guadiana, na requisição de armas para igualmente dar princípio, na cidade de Tavira, à Revolução que premeditava desde o dia 13, em que na Fortaleza de S. João da Barra de Tavira, pretendeu que aquela guarnição impugnasse que nela entrassem inimigos por se achar na esperança de socorros de armas da Esquadra inglesa, mas o que não obteve, e cuja casualidade o achou a bordo naquele dia dezasseis em que ali soube da Revolução de Olhão e, então, dela passou a Ayamonte de donde me trouxe as cento e trinta armas acima dito, com as quais no dia dezoito de manhã, com caíque armado tripulado com os paisanos daquele lugar de Olhão, deu abordagem a três barcos que, de Tavira para Faro, conduziam as bagagens da Legião do Meio-dia, escoltados por setenta e sete Soldados e quatro Oficiais que a todos fez prisioneiros e conduziu a Olhão; que na tarde do mesmo dia foi atacar no lugar da ponte de Quelfes, a cento e oitenta e cinco granadeiros que vinham a unir-se aos de Faro, e sem embargo de que o dito Tenente-Coronel os atacou com muito menos número de paisanos, e só socorridos com seis cartuchos cada um, por não haver mais, o que não obstante pôs o inimigo em desordem, até matou alguns, e dos nossos houveram dois feridos e ele, Tenente-Coronel, recebeu uma grande contusão no peito, mas que assim mesmo padecendo, tomou a posta de Ayamonte até Sevilha no dia vinte a que chegou em dezoito horas, para requerer àquela Junta Suprema de Espanha os socorros de armas e munições, o que generosamente lhe concedeu para defender os direitos do Príncipe Regente Nosso Senhor, e logo no dia vinte e cinco do mesmo mês de Junho chegou à cidade de Tavira com oitocentas espingardas, que entregou ao Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Conde Monteiro Mor; e que, no dia vinte e seis, voltou a Ayamonte a buscar mais quatrocentas [espingardas] e muitas munições que também entregou em Tavira à ordem do mesmo Excelentíssimo Senhor, sendo estas mil e trezentas e trinta espingardas as primeiras que entraram no Algarve e foram empregadas naquela gloriosa Revolução; e depois, no fim daquele mês, eu e este Tenente-Coronel fomos mandados pelo mesmo Excelentíssimo Senhor Conde com a força armada a socorrer o Alentejo, seguindo a combater o inimigo na direcção da capital e tanto naquela província e na da Estremadura, ele continuou a empregar-se com a mesma actividade e distinção; eu o mandei, no dia dezassete de Julho, a formar o cordão ao sul do rio Sado, o que intrepidamente executou; e não voltando mais o inimigo a alojar-se naqueles pontos até que, no dia quinze de Agosto, sendo mandado a proteger Évora com oitocentos Soldados de Infantaria, duas peças de Artilharia e alguma Cavalaria, foi nesta marcha demais mandado quando já chegava a Vila de Aguiar, atacar as tropas inimigas comandadas pelos generais Kellerman e de Grandoge, que tinham repetido entrar na vila de Alcácer do Sal e dar o saque e que segundo a sua marcha forçada foi a entrar naquela vila pondo-se o inimigo em fuga e deixando-lhe os dezanove barcos que eles tinham conduzido de Setúbal. Ele tem em toda esta campanha e como fica dito, sido exemplar no valor, honra e patriotismo; requerendo-me sempre que o preferisse para todas as ocasiões mais notáveis; pelo risco e importância das empresas a bem do Real Serviço e Pátria mostrando-se portanto muito digno da Real Consideração do Príncipe Regente Nosso Senhor; e por ser a verdade a passo por tal e assino.

Quartel de Vila de Almada, a vinte e nove de Setembro de mil oitocentos e oito.

José Lopes de Sousa, Marechal de Campo

Transcrição e anotações de Edgar Cavaco