EXCERTO

 

Doc. 384

 

 

[Declaração dos feitos de Joaquim Filipe de Landerset

por Belchior Drago Valente de Brito Cabreira]

 

 

Belchior Drago Valente de Brito Cabreira, Fidalgo da Casa Real e Capitão de Bombeiros do Regimento de Artilharia número dois, com exercício de Ajudante de Campo do Excelentíssimo Conde Monteiro Mor, General em Chefe do Exército do Sul, etc.:

Atesto que Joaquim Filipe de Landerset, Fidalgo da Casa Real e Tenente Coronel do Regimento de Infantaria número quatorze, no tempo da opressão do injusto domínio francês, vendo-se obrigado a servir debaixo das suas ordens no posto de Sargento Mor da Praça de Faro, nunca fez acção que desmentisse o geral conceito que até ali merecera pelo zelo, honra e inteligência com que se empregava no Real Serviço do Príncipe Regente Nosso Senhor. Antes neste mesmo tempo deu repetidas provas do maior patriotismo e fidelidade, apesar dos perigos a que se expunha; sendo bem constante que a ele se deveu ficar sem efeito a exorbitante contribuição mensal que o General Maurin pretendia que os Corregedores do Algarve lançassem sobre o povo com o pretexto de ser para o seu prato, de diário sustento. E assim também ele foi o que fez com que os pescadores de Faro só contribuíssem um mês para o Governador da Praça, quando os das outras terras pagaram dois e três meses a imposição posta pelo dito General em benefício dos diferentes Governadores franceses; o que tudo fez com o maior risco, sendo maior ao que se expôs não cessando em todo este tempo de clamar contra a iníqua opressão, e de persuadir a obrigação em que estavam todos os honrados vassalos de sacudirem o jugo e restabelecer o Legítimo Trono da Augusta e respeitável Casa de Bragança, para cujo fim fez espalhar vários papéis por todo o Algarve, e era um dos principais membros de uma Sociedade Patriótica que então se juntava diariamente na cidade de Faro, que tinha por objecto a feliz Restauração da Monarquia Portuguesa, sociedade que principiou a fazer-se suspeita pelos espias.

Outrossim atesto que no dia dezassete, logo que constou em Faro o levantamento de Olhão no dia anterior, sendo chamado à casa do Corregedor Mor [Goguet], e por ele encarregado de passar àquele lugar, a fim de obstar com precauções a resolução daquele povo, ele, como bom português, não só se escusou, mas com extraordinária resolução passou a declamar contra as usurpações e vexames motivados pelos mesmos franceses, o que sei por se ter feito público o modo com que se houvera na dita conferência. E assim também sei, que no dia dezoito, véspera da feliz Restauração de Faro, conhecendo o Corregedor Mor o espírito inquieto do povo e receando que se declarasse antes do auxílio superior que esperava só a [dia] vinte, fez espalhar que naquela noite, de madrugada do seguinte dia chegariam as ditas tropas, e encarregando-o da publicação do mesmo, pelo contrário o fez, declarando a várias pessoas, como a meu irmão, o Tenente Coronel Sebastião Cabreira, que era uma máxima francesa para tranquilizar o povo, e que tais tropas não podiam vir quando eles o diziam. Nunca, porém, correu tanto risco como no dia dezanove, antes do levantamento de Faro, porque vendo-se ele e os Ministros [farenses] obrigados a acompanhar o Capitão francês de Artilharia para junto de Olhão tratar com os emissários daquele povo sobre a pacificação, depois de muitas escusas, compelido protestou, perante várias pessoas e perante mim e a tropa que comandava, a violência que se lhe fazia, e que só ia servir de mero intérprete entre o mesmo Capitão e os Ministros, não ficando responsável pelo cumprimento das promessas dos franceses em que não confiava. E sucedendo ao tempo em que se achava naquela conferência a um quarto de légua de Olhão o levantamento de Faro, percebendo que um Caçador francês avisava do sucesso o Capitão, e este em resposta mandava marchar contra a cidade as suas tropas, com grande perigo de ser suspeito, avisou desta novidade os ditos emissários, e os persuadiu a pegarem em armas, e depois, caminhando entre as tropas inimigas juntamente com os Ministros e o referido Capitão, por estratagema seu então arriscado conflito soube escapar, e livrar os Ministros entrando na Praça de Faro debaixo de fogo. Então unido aos honrados defensores da pátria, foi incansável, servindo de Major da mesma Praça, merecendo por isto, e pelas antecipadas provas de patriotismo que o ornam, que o povo da mesma cidade o distinguisse com a divisa de Penacho encarnado, sendo um dos cinco militares a quem o povo deu este prémio de distinção.

 

[...]

 

Lisboa, nove de Outubro de mil e oitocentos e oito.

Belchior Drago Valente de Brito Cabreira, Capitão Ajudante de Campo

Transcrição e anotações de Edgar Cavaco