Doc. 22

 

 

Acta da Vereação da Câmara de Faro

(4 de Março de 1809) [1]

 

 

 

Aos quatro dias do mês de Março de 1809, nesta cidade de Faro e Casas da Câmara dela, aí se ajuntaram os vereadores, Procurador do Concelho, Nobreza e Povo desta mesma cidade, convocados pelo Doutor Desembargador e Provedor desta Comarca do Algarve, Pedro António Baptista Machado, para o efeito de serem ouvidos sobre certa ordem emanada da Mesa do Desembargo do Paço, por Aviso da Secretaria do Conselho da Regência de 10 de Dezembro de 1808, cujo requerimento, sendo lido, demonstra serem os suplicantes os moradores do Lugar de Olhão, termo desta cidade, os quais representaram a Sua Alteza Real que, no dia 16 de Junho [...] passado, se haviam levantado contra o intruso governo francês, aclamando todos, em geral, o Augusto Nome do Príncipe Nosso Senhor, arvorando a Bandeira e Estandarte da Nação, e sendo desta forma os primeiros que neste Reino do Algarve sacudiram o jugo francês e negaram obediência ao pérfido Imperador da França, pretendendo por este assinalado serviço que S.A.R. [Sua Alteza Real] lhes fizesse a graça de lhes criar Vila o dito Lugar de Olhão, concedendo-lhes para seu termo de vintenas o da Fuzeta, Quelfes, S. Bartolomeu de Pechão, e as suas freguesias, dando-se à dita Vila o honroso título de Leal, com um padrão na praça pública, com a inscrição de Lealdade; regulado o seu governo civil pelas leis e posturas municipais da cabeça da Comarca, com a criação de um Juiz de Fora, Órfãos, Sisas e Direitos Reais, Alfândega e Portagem que ali se forem indispensáveis.

 Neste requerimento expuseram igualmente os recorrentes que aquele povo era o de maior população em todo o Reino do Algarve, composto de quarenta e sete ruas e muitos fogos, com grande comércio marítimo, tanto em pescarias como em navegação, tendo para este efeito mais de cento e quarenta embarcações todas equipadas com indivíduos marítimos do dito lugar de Olhão, além dos muitos que vivem na capital no serviço de S.A., representando igualmente que é considerável o material dos edifícios daquele povo, com Igrejas nobremente ornadas, com residências de oficiais, Majores, Capitães e outras patentes, com casa do Compromisso e Fábricas bem reguladas e Portagem do mais considerável rendimento de todo o Algarve. Igualmente expuseram no mesmo requerimento que as Vilas deste Algarve, Castro Marim, Vila Real [de Santo António], Albufeira, Lagoa e Vila Nova de Monchique, não eram povoações maiores nem mais comerciantes, nem mais ricas que o lugar de Olhão, gozando contudo da graça que os recorrentes imploraram para o mesmo povo.

E em vista do sobredito requerimento que contém substancialmente todo o referido, respondeu a Câmara que as premissas eram verdadeiras em parte e que em parte não o eram, porquanto não há naquele povo oficiais Majores mais que tão somente um Capitão de Ordenanças graduado com essa patente e que os Capitães e mais Oficiais de Ordenanças são os que pertencem às Companhias Marítimas do referido povo, não havendo além destes mais do [que] somente um Capitão, e Tenente de Milícias pertencente à Comarca de Tavira; que no dito povo não há mais que uma Igreja, completa e acabada, [a] qual é a Matriz da Senhora do Rosário, havendo além desta uma Ermida, incompleta, da Senhora da Soledade; que os edifícios dos particulares são pela maior parte de casas térreas sem nobreza alguma e apenas poderão haver doze edifícios de primeiro andar, havendo ainda grande quantidade de cabanas de junco unidas à mesma povoação; e que, fossem verdadeiras todas as premissas do requerimento, lhe parece a eles, oficiais da Câmara, que os recorrentes não são dignos da graça que suplicam, porque sendo aquele povo pela maior parte [composto] de gentes marítimas que nenhuma outra coisa sabem senão da arte de navegação e pescar, há por isso toda a impossibilidade de se poderem ali achar pessoas aptas para os empregos públicos da vereança, Capitães mores e Majores, de cuja direcção depende o bom regímen das terras, e pelo que pertence ao governo das Ordenanças e pelo que respeita ao governo político e económico do dito povo; responderam igualmente que a pretensão dos recorrentes não podia ter lugar pelo que respeita à Vintena da Fuzeta, que ele querem por[=para] parte do distrito da pretendida vila, porquanto a Fuzeta é pertencente do Termo de Tavira, que é terra da Coroa, da qual não pode ser subtraída para se anexar a terras da Casa e Estado das Sereníssimas Senhoras Rainhas deste Reino; e que, por outra parte, as duas freguesias de Quelfes e São Bartolomeu de Pechão que se pedem para o distrito da vila são povos muito pequenos ora para constituírem um terço de Ordenanças separado, ora para constituírem pelas suas rendas um fundo de suficiência e abundância a bem de um novo concelho e [de] suas indispensáveis despesas. Responderam igualmente que ao passo que se diminuísse ao termo [d]esta cidade uma parte do seu território, igualmente se diminuiriam as rendas deste concelho, que não era dos mais pobres deste Algarve; contudo, pelas suas avultadas despesas, se achava sempre empenhado e que muito mais cresceria o dito empenho tirando-se parte dos seus rendimentos com a desanexação de um novo Termo. Igualmente responderam que a pretensão dos suplicantes tinha ainda outra incompatibilidade, qual era a de que concedendo-se à pretendida vila as duas freguesias de Quelfes e Pechão, passariam os Oficiais de Justiça desta cidade por território alheio quando fossem a diligências para a aldeia de Moncarapacho e sua freguesia, pela Estrada Real que se encaminha desta cidade para a dita aldeia de Moncarapacho; e ultimamente responderam que desanexando deste lugar [sic] de Faro a pretendida Vila com as freguesias que solicitaram para o seu termo, nem aquele novo lugar [sic] seria considerável para fazer pelo seu rendimento uma decente manutenção ao seu Ministro e Oficiais deste lugar [sic] de Faro, [que] por outra parte perderia muito dos emolumentos necessários ao seu Magistrado e Oficiais e muito mais, tendo-se já desanexado da Vara do Geral o Juizado da Alfândega por mercê do Príncipe Nosso Senhor e o dos Órfãos por mercê do Conselho Supremo que houve neste Algarve, para ter o seu exercício findo que seja o triénio do actual Doutor Juiz de Fora, e para servir nos impedimentos deste, cujos lugares de Órfãos [e] Alfândegas desfalcaram consideravelmente o rendimento da Vara do Geral a que eram anexos; e que por todos os motivos referidos parecia a eles, Oficiais da Câmara, que os recorrentes não estavam nos termos de obterem a pretendida graça que suplicam a Sua Alteza Real.

Assinam com o dito Ministro informante, e eu, José Francisco de Abreu Camacho

Machado

Aragão

Faria

[Ilegível]

Freire

Guilherme José Pragana

 

E logo, sendo presentes várias pessoas na Nobreza desta cidade, e sendo-lhe lido o requerimento dos recorrentes e [a] resposta deste senado, responderam que se conformavam com a resposta deste mesmo Senado, acrescentando que no povo de Olhão não há o comércio inculcado pelos recorrentes, porquanto nos seus barcos de viagem não importam nem transportam mercadorias e géneros para o mesmo lugar de Olhão, mas sim para esta cidade e quaisquer outros portos marítimos deste Algarve ou fora dele. Igualmente ponderaram e responderam que aquele povo de Olhão se achava distante desta cidade uma só légua [e] que por isso os seus moradores não sofriam incómodo, nem em virem agitar as suas demandas a esta cidade, nem a cuidar dos despachos competentes nas casas fiscais da mesma; e ultimamente declararam e ponderaram que as inculcadas riquezas dos recorrentes e do povo consiste somente no seu tráfico de pescarias, o qual apenas pode dar para a sua subsistência diária ou para a edificação de algumas casas, de forma que, em faltando as pescarias por causa dos temporais, já se conhece a indigência e penúria nos indivíduos.

E assinaram as sobreditas pessoas da nobreza e povo com ele, Ministro informante, e eu, José Francisco de Abreu Camacho.

Machado

Bartolomeu José de Garfias Torres

Domingos da Costa Dias e Barros

Miguel do Ó, filho

Francisco Furtado [?]

José Lopes de Pina Aragão

Francisco Dias Pereira+

António Pereira da Costa

António Ribeiro de Araújo

Manuel José Lisboa Vinhas

Agostinho Ferreira Chaves

José Francisco das Chagas

Manuel Pereira Chaves

António Gonçalves

Daniel Francisco da Costa Valença

Bento Alves de [?]

 

E logo, sendo também presentes algumas pessoas do povo desta cidade, e sendo-lhe lida a súplica dos recorrentes e resposta deste Senado e pessoas da Nobreza desta mesma cidade, responderam que elas em tudo e por tudo se conformavam com as sobreditas respostas pelos justos motivos deduzidos nas mesmas.

E assinaram com o Ministro informante e Eu, José Francisco de Abreu Camacho

José de Amor

José da Cruz

António José

Manuel Garcez

 

E por esta forma, etc.


 

[1]        Alberto Iria apenas publicou o primeiro parágrafo deste documento. O resto desta acta foi encontrado num exemplar dactilografado intitulado “As Invasões Francesas em Faro”, disponível no Arquivo Histórico Militar (com a cota: AHM/DIV/1/14/186/24). .

Transcrição e anotações de Edgar Cavaco