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Associação de Valorização do Património Cultural e Ambiental de Olhão

OLHÃO PARA O CIDADÃO

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O Caíque que nos fez Vila da Restauração…

A propósito das actuais comemorações do bicentenário da revolta olhanense contra as tropas napoleónicas e da viagem do caíque Bom Sucesso ao Brasil, iremos dar uma breve explicação do significado deste barco que, até princípios do séc. XX, era ainda muito frequente em todo o Algarve.

O Caíque é uma embarcação que navegou na costa portuguesa desde o séc. XVI ao séc. XX, fundamentalmente no Algarve, e que era derivado do pangaio árabe.

Como o aparelho vélico é semelhante ao da antiga caravela portuguesa, os especialistas dividem-se entre os que acreditam ter sucedido à caravela e os que consideram ter-lhe antecedido.

Armava duas velas latinas em dois mastros colocados em direcções divergentes, um para vante e outro para ré, cada um com uma verga.

As suas velas latinas, copiadas dos árabes, tinham a grande vantagem de serem boas bolinadoras, ou seja, conseguiam progredir contra a direcção do vento (ao contrário das velas redondas, que envergam de borda a borda, e são boas para ventos de popa, as velas latinas envergam no sentido proa-popa). No entanto, estas velas podiam também navegar bem com ventos de popa quando se disponham "em borboleta" (cada vela disparava para um bordo diferente).

A vela envergada no mastro da ré é designada "grande", embora esta tenha menor área vélica, e a vela envergada no mastro de vante é designada "traquete", com maior área vélica.

Adicionalmente, a embarcação era equipada com uma outra vela alternativa mais pequena, armada à ré do mastro da ré, na gíria designada "cachapana". Esta pequena vela era utilizada em situações de manobra ou de mau tempo. Por vezes era também triangular, do tipo "latina", ou quadrangular, do tipo "carangueja" (neste caso a vela era envergada no mastro de ré com auxílio duma espicha).

Os caíques eram vistos sobretudo a atravessar o Mediterrâneo e a bordejar a costa atlântica portuguesa quando utilizadas para o transporte e comércio. Mas também eram utilizados como embarcações de pesca do alto, onde usavam aparelhos de linhas e anzóis.

Estas embarcações tinham as linhas finas e alongadas, com um comprimento de cerca de 18 m e 5,5m de largura. Muita quilha, proa arredondada, popa quadrada e convés corrido, com uma gaiuta à ré e duas escotilhas de acesso ao interior. O leme era interior.

Saliente-se que originalmente estas embarcações eram construídas em pinho manso e bravo próprio para construção naval. As vergas eram geralmente eucaliptos secos.

A tripulação poderia ir até 30 homens e 1 ou 2 cães de água que eram usados para procurar o peixe que se desferrava dos anzóis. Quando a tripulação estava em terra, a embarcação era guardada pelos cães de água.

Os caíques podiam também armar dois remos por bordo.

Chegou a haver caíques armados para a guerra (que protegiam a frota  pesqueira dos ataques dos piratas mouros) e caíques preparados simplesmente para regatas, na década de 1860, organizadas pela Real Associação Naval, no Tejo.

Na última metade do séc. XIX, a actividade comercial desenvolvida pelos marítimos olhanenses, cresceu imenso, estendendo-se até ao Mediterrâneo Oriental. São conhecidas nesta época viagens em caíques até ao Mar Negro (em 1871, o mestre António da Silva Guerreiro foi até Odessa, na Rússia, para comprar cereais) e outras paragens como Oram, Nemours, Philippoville, Sardenha. Também na mesma altura, os olhanenses foram responsáveis pela colonização do sul de Angola, viajando para lá com os seus caíques.

Ainda mais importante é a viagem ao Brasil, feita por 18 marítimos a bordo do caíque "Bom Sucesso" em 1808, para dar à família real portuguesa, então lá refugiada, a boa nova da expulsão das tropas napoleónicas de Portugal. Nesta viagem heróica, estes homens aventuraram-se por um mar que desconheciam, apenas orientados pelas estrelas, as correntes marítimas e um mapa rudimentar!

O rei, reconhecido pela iniciativa da sublevação e pelo heroísmo da viagem marítima, elevou o pequeno e desconhecido Lugar de Olhão a vila, em 1808, com o epíteto de Vila da Restauração.

A réplica deste Caíque Bom Sucesso, construída em 2002 pela Câmara Municipal de Olhão, foi projectada pelo Eng. José Maurício, provavelmente com base em planta retirada do livro de Octávio Lixa Filgueiras e Alfredo Barroca - O Caíque do Algarve e a Caravela Portuguesa" - editado pela Universidade de Coimbra em 1970.

Infelizmente, esta réplica pouco mais faz do que viver atracada junto aos mercados.

Bem poderia promover a imagem de Olhão fora do Concelho de forma a atrair turismo. E já não falamos na possibilidade de levar o caíque ao Brasil, projecto por que a APOS se bateu, esbarrando infelizmente no total desinteresse da autarquia: falamos na simples possibilidade de pôr uma placa no local que explique aos turistas o significado deste caíque.

Mas, como já aqui perguntámos, quem em pleno bicentenário de comemorações não consegue lá colocar uma placa, será que é capaz de alguma coisa significativa?

António Paula Brito

APOS