DOC. 13

 

Proclama ou Exortação Pastoral do Bispo do Algarve

 

Amados filhos meus:

Jesus Cristo: Vós firmemente credes que este Senhor, Rei eterno e Principe sobre todos os Reis da terra, Homem Deus e Nosso Salvador, é o Autor da Fé e o Fundador da Santa Religião que professaram nossos pais e nós igualmente professamos. Este Senhor pois que nos promete (e não nos pode enganar por ser a Suma Verdade) que esta mesma Religião há de ser eterna; e estais certos, que também nós, em perpétuas eternidades, gozaremos dos frutos desta Árvore misteriosa, se a conservarmos pura, adorando a Deus em espírito e verdade, e a defendermos intrépidos, dando por ela gostosos a própria vida. O Fundador do Reino de Deus sobre a terra é quem nos guia para a defesa como nosso Supremo General: este Monarca infinitamente grande, cujo Reino não tem fim, é quem se dignou de estabelecer entre nós, os portugueses, o seu Império. Este Deus que, segundo o profeta, havia de reinar de mar a mar, e até ao fim da terra, quis-se valer de nós para levarmos o seu Santíssimo Nome e a sua Fé e Religião por todo o Mundo. Este Senhor, pois, vai agora capitaneando as nossas tropas, as nossas milícias e a nós todos, que nos vamos aprontar para pelejarmos em massa, se o inimigo temerário se atrever a procurar-nos novamente. Se marcharmos contra ele, bem sabeis que as nossas bandeiras se ornam com os sinais da nossa redenção; e que as nossas insignias são as maravilhosas cinco chagas e os trinta dinheiros, com que o próprio Filho de Deus remiu o Mundo: à sombra delas sempre os portugueses venceram e nonca foram vencidos. É por tanto necessário que, antes que vamos para a batalha, recolhamos as misteriosas pedras do melhor.

[Como] David contra o gigante soberbo e cheio de presunção, oremos a Deus eficazmente, para que, aplacando a sua ira, nos assista contra os seus próprios inimigos que profanam quanto Deus tem de mais Sagrado. Como Deus peleja conosco, unamo-nos em espírito de Religião , pois a guerra é contra o impío e perseguidor da Igreja; e supliquemos ao Senhor Deus dos Exércitos, que nos favoreça com a sua Misericórdia: unamo-nos, resolutos a obedecer, e ser fiéis; e logo tomemos as armas para vencer, destruir, e até, se possível for, aniquilar esse inculcado Omnipotente do Universo. Se vós, filhos amados, vos unirdes como vos exortamos, não o temais; pois que só basta o enorme crime de blasfémia que a si arroga este impío elevado pelo orgulho, para precipitar nos abismos ao mais perverso dos mortais; não temais, que uma Nação Fiel e Valorosa, unida pelos vínculos da Religião , da Obediência, do Amor da Pátria e da mútua Caridade, não pode ser destruida. Vamos pois todos ao campo com as armas nas mãos e o valor no peito, a sacrificar as próprias vidas em defesa da Religião , do Direito do Nosso Amável Soberano, da Pátria e da Liberdade. Felizes nós, se por estes motivos exalarmos o espírito. A guerra que vamos fazer bem se pode chamar de Religião , como as que temos feito aos seguidores de Mafoma [muçulmanos]. Eia pois, amados algarvios e animosos portugueses: Valor e União . Não é mais forte o inimigo que o tempestuoso mar, a que vós muitas vezes vos entregais com a esperança de pouco ou nenhum interesse; não é mais esfaimado o roaz, do que os lobos tragadores, com quem peleja o animoso e fiel Pastor, para defender o rebanho que apascenta; nem mais valente que vosso rival, a quem muitas vezes desafiais carregados de armas para vingar talvez uma paixão inconsiderada e cega. Valor e Ânimo têm dado à Espanha, nossa boa vizinha e aliada, vitórias sobre vitórias, triunfos e mais triunfos. Valor, Ânimo e Amizade têm trazido ao nosso Continente e a toda a Península as generosas tropas britânicas, muitas delas oferecidas para se distinguirem na defesa da causa comum: e a constante Fidelidade desta Nação generosa e sempre nossa Amiga, vem ao mesmo tempo testemunhar os efeitos do que devemos a Deus, aos nossos Soberanos e à Pátria. Amados Algarvios, bons Patrícios Portugueses, ou morrer ou vencer. Quem vence animoso, triunfa do inimigo; quem morre na defesa da Pátria, e muito mais para conservar e defender a Fé e a Santa Religião , triunfa da morte, para viver eternamente. Para que vades defendidos do Deus Omnipotente, vos dou em seu Nome a minha benção; e saíndo vós ao campo, subirei eu ao Santo Monte a orar e sacrificar a Deus por vós, para que o Senhor das Vitórias, vo-la dê do voso inimigo muito completa; e todos cantaremos eternamente as suas Misericórdias.

Dada em Faro aos 13 de Dezembro de 1808

Francisco, Bispo do Algarve – Governador interino das Armas

Transcrição e anotações de Edgar Cavaco