bulletHistória
bulletCostumes
bullet Recursos
bullet Eventos
bullet Links



VOLTAR À PÁGINA INICIAL

bullet Olhão
bullet Fuzeta
bullet Moncarapacho
bullet Pechão
bullet Quelfes

 

A PESCA DO CHICHARRO (SACADA)

Mas não só a sardinha se pesca ou se tem pescado em Olhão. O chicharro, carapau ou simplesmente "charro" (como chamam em Olhão) é uma espécie abundante na nossa costa, bastante proteico, mas menos gordo que a sardinha e muito saboroso.

Há diferentes espécies pertencentes ao mesmo género, como exemplo o "negrão" ou "neruses" (nome que foi posto em Olhão num ano de grande abundância destes chicharros que coincidiu com o ano da tomada das nossas possessões na índia pelas tropas indianas de Neru).

Os lamentos da imprensa salazarista ao tempo fez entrar nos ouvidos desta gente a palavra Neru depreciativamente, e, como a abundância destes chicharros capturados foi tanta que já aborrecia pela ausência de sardinha, lembraram-se chamar Neru ao chicharro como sinónimo de coisa indesejável.

O chicharro pode ser capturado pelas traineiras ou pelo processo chamado "sacada". Este processo é um processo estático e é efectuado por dois barcos de pequeno porte (uma lancha e um saveiro) tripulados por 4 ou 5 homens.

Entre os dois barcos estendem uma rede. Têm um farol aceso e vão engodando continuamente o local com uma pasta de sardinha. O chicharro ou carapau (cara de pau) é atraído para cima da rede pela luz e pelo engodo.

Hoje, um dos barcos é a motor e reboca o outro, mas até há pouco tempo, os barcos, lancha e saveiro, com pouco mais ou menos 5 metros cada um eram à vela latina. Havia centenas destes graciosos barcos, abertos, sem coberta, velozes com boa aragem, bolinando em vento contrário ou deslizando à popa com velas atravessadas. Por serem abertos e pequenos, eram muito vulneráveis a mar um tanto ou quanto proceloso. Os pesqueiros eram junto à costa e ao longo dela. E, apesar disso, alguns naufrágios se têm dado por não chegarem à barra a tempo desta dar boa entrada a tão frágeis embarcações quando o mar se altera de repente.

Como a pesca se faz por atracção luminosa, era uma graça ver-se uma fila de pontos luminosos ao longo da costa, por detrás das ilhas. Parecia uma grande cidade iluminada à noite e vista à distância.

...

Os pescadores partiam para a sua faina ao fim da tarde, desfraldando as suas velas brancas, ponteagudas. Como eram centenas, enchiam os canais da ria, bolinando, ora para um lado, ora para outro, para vencerem o ventinho da "viração" que sopra em sentido oposto, até chegarem fora da barra. O espectáculo era grandioso e gracioso.

O quadro que à nossa vista de terra se desenhava era empolgante e digno de ser fixado em tela por pintor que soubesse dar cores que, momentaneamente, se retratassem na retina de nossos olhos.

As pinturas dos barcos, o branco das velas, assentes no verde da água, enquadradas no cinzento-escuro das margens dos canais, abobadados pelo azul lavado do céu, com os seus tons avermelhados do sol-posto e o fundo doirado claro de oiro novo das areias das ilhas, formavam no seu conjunto, pelo contraste das cores, um quadro natural de rara beleza.

Felizmente para mim que fui amigo de Adriano Batista, que soube com mestria, em cores vivas, a pastel, fixar em dois quadros que me ofereceu, o quadro real que a natureza todos os dias nos oferecia para nosso êxtase, com a partida dumas centenas de olhanenses para uma faina que não era a mais rendosa para a gente do mar.

"Somos pobres, senhor... o meu marido anda à sacada". Era um atestado de pobreza ouvido muitas vezes. E era, de facto. Não que não houvesse abundante pesca, mas pela falta de valor do pescado.

O público consumidor tinha uma certa relutância em se abastecer de chicharro da sacada por, dizia, ser de inferior qualidade por causa do engodo que o peixe comia... o tal engodo feito de pasta de sardinha.

Hoje, é um peixe bastante procurado sem que se queira saber se é da sacada ou não. E ele sabe bem quando está gordo... Dele se faz também uma belíssima conserva em azeite. Os povos do Oriente consumiam-no muito. Exportavam de Olhão para a Índia e Indochina.

 

Retirado de:

Barbosa, José - Visto e ouvido... em Olhão... reflexões - Câmara Municipal de Olhão, 1993, pp.137-138