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Zé da Mónica
(1897-1942)

 

José Joaquim Viegas da Fuzeta, mais conhecido por Zé da Mónica, foi um cidadão olhanense, perseguido, atraiçoado, torturado e, finalmente assassinado por volta de 1942 pela Polícia Política do Estado Novo, devido ao transporte que fez de muitos refugiados políticos, portugueses e espanhóis ainda antes de Guerra de Espanha e segundo alguns, também durante esta Guerra.

Zé da Mónica era um homem muito popular em Olhão que depois de uma passagem de emigrante pelos Estados Unidos, país que muito admirava, regressou à terra, adquire uma embarcação de cabotagem, a que dá o nome bairrista de "Sporting Clube Olhanense" e, fazendo vários transbordos, navega de porto em porto, entre o Algarve, Andaluzia e África.

De acordo com o mais recente estudo efectuado pelo professor Idalécio Soares nos próprios arquivos da PIDE, Zé da Mónica foi preso três vezes, a primeira devido ao transporte de refugiados políticos ainda antes da Guerra de Espanha, a segunda, em 1938, pela mesma razão, e a última, em 1941, por suspeita de envolvimento numa organização anglófila de espionagem, que em plena 2ª Guerra Mundial atuava em Portugal.


Fotografia retirada do passaporte para os EUA, em 1920

Fotografia retirada de Villares, João - Quem é quem em Olhão? - 1ª ed., 1º Vol., Livraria Clinar, Olhão, 2004

Pensamos que entre 1933 e 1936 terá iniciado o transbordo de políticos espanhóis e portugueses em fuga dos seus regimes, mas tudo leva a crer que esta actividade terá tido mais um propósito comercial do que motivações políticas.

Zé da Mónica não tinha partido político nem nunca ninguém lhe conheceu uma ideologia política definida.

Era simplesmente um homem de origem muito humilde que, com espírito aventureiro e inteligência, soube tornar-se num homem de negócios de sucesso que gostava de dinheiro, boa vida e boa comida.

Atendendo ao seu espírito empreendedor e aventureiro, mas também à sua bonomia e vivacidade (era bem conhecido a dançar o corridinho nos bailes) era muito popular na sua terra onde vivia com algum fausto.

A verdade é que tornou-se conhecido pelas suas actividades e ligações aos oposicionistas do regime, tendo inclusive sido alvo de tiroteios da marinha espanhola que motivaram a morte de um seu camarada em pleno mar - João de Faro.

PrisioneirosEspanhóis.jpg (60237 bytes)
Entrega de antifascistas espanhóis capturados pela polícia portuguesa na fronteira do Guadiana, sendo entregues às autoridades franquistas para fuzilamento
(foto retirada de Marques, Maria da Graça Maia - O Algarve da antiguidade aos nossos dias: elementos para a sua história - Lisboa: Colibri, 1999, p.617).

Zé da Mónica, devido ao transbordo que fazia dos oposicionistas políticos quer portugueses quer espanhóis, entrou na clandestinidade durante 2 anos (em 1936-37), refugiando-se na casa de familiares em Olhão e saindo apenas algumas vezes à noite, vestido de mulher, para não o reconhecerem.

Por volta de 1938  Salazar concede amnistia política a Zé da Mónica, através de publicação oficial no Diário da República, no entanto, são muitos os amigos que o aconselham a não confiar na palavra do ditador.

Infelizmente, tendo adoecido um amigo (Tomás Saias), Zé da Mónica dispôs-se a vir trazê-lo a Lisboa, para o internar num hospital.

Um esbirro da Polícia Política enviou telegrama a dar conta da hora de embarque e do aspecto físico de Zé da Mónica para, mal chegasse a Lisboa, ser imediatamente preso. A verdade é que havendo vários homens vestidos da mesma maneira, a polícia não o conseguiu detectar à chegada do comboio. Só no Chiado, à saída do café "Brasileira", é identificado por um algarvio (convocado pela polícia para o denunciar) e é preso.

Foi mais tarde liberto mas volta a ser preso em 1941, desta vez com a acusação de pertencer à organização anglófila (o famoso caso Shell) que prepararia a resistência contra os alemães caso estes invadissem o País, durante a 2ª Guerra Mundial.

Inicia-se um cadafalso de torturas  que o debilitam a ponto de a família não o reconhecer na última visita que lhe fez.

Existe a suspeita que Zé da Mónica pouco tinha a ver com esta organização e terá simplesmente sucumbido às torturas porque a polícia não acreditando na sua inocência, e não conseguindo arrancar dele uma confissão, exagerou na violência aplicada tendo-o levado a um estado de deterioração física irreversível.

Morreu no Hospital de S. José, em Lisboa.


Zé da Mónica com o amigo Francisco Santana (década de 1930)

De acordo com relatos da própria filha, o médico que lhe fez o certificado de óbito, ditou o diagnóstico de tuberculose mas, mais tarde, confessou à família que foi obrigado a mentir pela polícia política, e que nunca esqueceu o aspecto macabro do cadáver maltratado de Zé da Mónica. A família, ao receber o corpo verificou que entre outras sevícias bem visíveis, as tatuagens e as unhas tinham sido arrancadas durante as torturas!...

 


Zé da Mónica com a família (década de 1930): da direita para a esquerda temos o Teófilo (criado negro trazido de África por Zé da Mónica, a esposa Teresa, Zé da Mónica, Margarette (sobrinha, que foi criada em família) e sua filha única, Maria Albana.

António Paula Brito

 

PS: Em 27 de Dezembro de 2002, a Assembleia Municipal de Olhão aprovou por unanimidade uma moção de inclusão do nome do cidadão Zé da Mónica na toponímica de Olhão nos seguintes termos:

José Viegas da Fuzeta, mais conhecido por Zé da Mónica foi um cidadão de Olhão, perseguido, atraiçoado, torturado e, finalmente assassinado em 1941 pela Polícia Política do Estado Novo, devido ao salvamento que fez de muitos combatentes espanhóis no final da Guerra de Espanha.

Zé da Mónica não tinha partido político nem nunca se lhe conheceu uma ideologia política definida.

Zé da Mónica cometeu o seu "crime" - o salvamento de muitas vidas humanas - apenas porque aprendeu na sua terra que a solidariedade para com os mais fracos, a tolerância e o respeito pela liberdade dos outros, pode ser tão importante como a própria vida.

Zé da Mónica foi um cidadão genuinamente olhanense, não só por ganhar a vida como marítimo, como por possuir a tranquila rebeldia que historicamente caracteriza os olhanenses relativamente aos poderes instituídos, mas também pela solidariedade, amor pela liberdade e humanismo.

Num determinado momento histórico, Zé da Mónica testemunhou a desumanidade dos fuzilamentos no outro lado da fronteira. Poderia ter desviado o olhar como a maioria, mas não o fez!

Daí que se propõe que o Executivo camarário atribua a este olhanense, tão distinto como esquecido, o nome de uma rua da cidade.