istória



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Manuel Zora (Manny Zora)

(1894-1979)

Manuel Martins do Nascimento Zora (nos EUA, Manny Zora) nasceu em Olhão no dia 22 de Abril de 1895 e faleceu também em Olhão em 20-04-1979, com 84 anos.

Tornou-se célebre pela sua astúcia como contrabandista marítimo na costa leste dos Estados Unidos, especificamente Boston e Cape Cod, na perigosa mas excitante época da Lei Seca, entre janeiro de 1920 e dezembro de 1933.

A família tinha origem humilde, ligados ao mar. O pai Zora, também pescador, foi emigrante nos EUA durante muitos anos (pelo menos desde o 2º ano de vida de Manuel Zora, 1897, e seguramente em data posterior a 1910, quando recebe o seu filho em Provincetown, Cape Cod).

Durante a infância, os pais reservavam-lhe um futuro longe do mar, ao contrário dos seus antepassados.

No entanto, o pequeno Zora, aos 12 anos (1907), ainda em Olhão, foge da alçada da mãe e embarca ilegalmente num veleiro - o Cabo Verde - que se dedicava ao comércio com Gibraltar, para onde transportava legalmente bivalves e ilegalmente  emigrantes e contrabando.

Pouco tempo depois, algures numa praia entre Olhão e a Fuzeta, é preso quando estava a descarregar contrabando.

A família Zora relacionava-se com uma família socialmente distinta de Lisboa, que regularmente passava férias em Olhão, onde pontificava o Coronel Marsal, um militar influente que aceitou ser padrinho do pequeno Manuel Zora. Atendendo a esta ligação, a mãe, através do Coronel Marsal, consegue a libertação do filho na condição de este ir estudar para Lisboa sob a proteção e vigilância deste militar.

Manuel Zora estuda com bons resultados durante 2 anos, o que tranquiliza tanto a família Marsal como os pais Zora, mas em 1908, ao regressar a Olhão para umas férias, convence o pai que a sua vocação era tornar-se um homem de mar como ele. Assim, abandona os estudos por volta dos 14 anos e aos 15 (em 1910), já com o beneplácito familiar, arrisca o seu salto maior, para a América, mais precisamente para Provincetown, em Cape Cod, onde o pai já se encontrava há cerca de 14 anos.

Torna-se um dos maiores pescadores de Provincetown, fisicamente poderoso, rápido em esperteza, com um fácies inconfundível, extraordinário contador de histórias e anedotas, torna-se muito popular no meio social e artístico exuberante da pequena cidade de Cape Cod.

O livro de Scott Corbett The Sea Fox, The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner, datado de 1956, conta o que lhe aconteceu sobretudo nos anos americanos: a sua infância em Olhão, a chegada aos EUA, a pesca, o contrabando durante a Lei Seca, a Mafia, os festins e as raparigas, as misérias e as glórias. Nunca traduzido, narra como ele consegue fintar a fome e a Lei Seca (1920-1933), vendendo engenho e astúcia aos homens de Al Capone, enganando a Guarda Costeira e o FBI, e conquistando as americanas de Provincetown.

Nesses anos, eram muitos os barcos ingleses e irlandeses que ainda fora das águas territoriais americanas, descarregavam o precioso álcool para pequenas embarcações de contrabandistas que, por sua conta e risco, se encarregavam de levar a carga para as praias mais solitárias à noite, onde eram esperados por homens a soldo dos sindicatos do crime, que transportavam o álcool com grandes lucros para a Mafia, então em ascensão.

Zora foi um dos mais astutos mareantes contrabandistas, que se iniciou na atividade por volta de 1922/23 no seu barco de 38 pés, o Mary Ellen, sempre conseguindo ludibriar a Guarda Costeira. O seu conhecimento das correntes marítimas, as saídas só em noites de Lua Nova, o isolamento acústico cuidado do seu motor  e muitos outros conhecimentos e astúcias transformaram-no, aos olhos da Guarda Costeira norte-americana, numa autêntica raposa dos mares.

No entanto,  sobre ele não pesa o ónus de ter cometido crimes de sangue. Os amigos, os intelectuais com quem privou e as próprias autoridades respeitam-no e preservam a sua memória como um indivíduo de carácter leal e solidário.

Manuel Zora depois de se reformar do perigoso contrabando desses tempos da Lei Seca torna-se pescador de lagosta e líder sindical.

Desde o início do séc. XX, são muitos os artistas, escritores e intelectuais liberais que começam a passar o Verão em Provincetown, alugando ou mesmo comprando casas aos pescadores.

Manuel Zora tenta introduzir-se no meio e na década de 1920 já fazia teatro no velho Wharf Theatre e pertenceu a grupos como os "The Wharf Players" ou "Pronvincetown Players" e os Beachcombers Social Club, tendo sido um dos protagonistas da peça "Fish for Friday" de Arthur Robinson (1932), sobre os pescadores portugueses, onde cantava uma velha canção portuguesa. Trava conhecimento com John dos Passos, Eugene O’Neill, Ernest Hemingway, Truman Capote, etc.

Nas décadas de 1940 e 1950 começa a passear estes intelectuais no seu barco, aluga-lhes quartos em Provincetown, e já é bem conhecido como um grande contador de histórias. Foi nesta época que Scott Corbett escreveu o livro biográfico sobre ele - "The Sea Fox, The Adventures of Cape Cod’s most colorfull rumrunner".

Há referências que também geriu um restaurante - "The White Whale" nos anos de 1920.




Agosto de 1940, fotografado por Edwin Rosskam em Cape Cod

Interessa-se por política e participa na campanha do candidato do Partido Progressista em 1948, Henry A. Wallace, de quem se torna amigo. Mais tarde, conhece o grande senador republicano Robert Taft, em Washington, na tentativa de conseguir apoios federais para a construção de um grande porto em Provincetown. Sobre ele, este senador terá dito a alguém que "você consegue sentir o sal na sua voz!".

Nos últimos anos residiu no nº 137 da Commercial Street de Provincetown.

Aparentemente, Manuel Zora terá casado duas vezes nos Estados Unidos, primeiro com uma senhora açoriana, Mary Malone, e depois com uma senhora americana Judith Greene Tobey. Terá tido 6 filhos: Manuel Zora Junior, Clara Zora, John Zora, Frank Zora, Mary Ellen Malone e Annie Malone

Mas em 1962, Manuel Zora abandona Provincetown e volta a Olhão, alegadamente para morrer onde nasceu e onde os seus pais e um seu irmão Joaquim já estavam sepultados.

Em Olhão é visto sobretudo na Rua do Comércio, sentado nos Café Comercial e Danúbio, todos já  desaparecidos. Homem grande, mãos de gigante e nariz pronunciado, espanta os locais com as suas histórias de gangsters e garotas libertinas, a que soma a distinção do porte e a elegância das fazendas italianas.

Casa-se com uma primeira senhora e, depois, com uma segunda senhora, sua prima de Olhão, em 1965, provavelmente apenas para amenizar a velhice. À mesa do café, dá aulas de inglês (oral) com pronúncia americana e acode os poucos turistas que se aventuram na vila.

Nos primeiros anos, a filha Mary e vários amigos norte-americanos ainda vêm a Olhão visitá-lo. Com o tempo, o fascínio que exerce começa a esmorecer e definha em silêncio. Alguns jornalistas chegam a entrevistá-lo. Vera Lagoa transcreveu encontro memorável, grand finale no cemitério, ela, ele e o coveiro, dado a tertúlias. A Baptista Bastos, no Diário Popular, confessará, melancólico, em conversa regada a uísque, na ilha da Armona: «O que eu aprendi nos anos americanos. Santo Deus, o que aprendi! Queria ser grande, queria ser famoso, queria ser conhecido na América. E, para isso, precisava de ser um homem com dólares (...) é muito importante ter dinheiro, o dinheiro dá poder, é necessário para um homem ser feliz. A fome só é boa até uma certa altura da vida: permite-nos ter cautela, ensina-nos a ser hábeis; é a melhor companheira da maturidade daqueles que se tornam ricos». Quando morreu, em 1979, Manuel Zora tinha 84 anos. Sepultado em Olhão, foi-se em silêncio e sem deixar rasto...


No entanto, a sua história foi imortalizado pelo livro de Scott Corbett, que tarda em ser traduzido para português.

Manuel Zora foi afinal, mais um português da diáspora, que mais ou menos anonimamente, sempre estiveram lá emprestando o seu engenho, enquanto o Mundo girava e mexia...

No final desta breve informação encontra-se a transcrição em inglês do capítulo sobre Manny Zora do livro PROVINCETOWN PROFILES And Others On Cape Cod, de FRANK CROTTY (1958).

Bibliografia:

• Eurico Mendes in Portuguese Times (http://www.portuguesetimes.com/)
• Ana Cristina Leonardo in http://wwwmeditacaonapastelaria.blogspot.com

Agradecimentos a Francisco Carapucinha e Hélder Diogo pelo fornecimento de informações e fotografias.

António Paula Brito, 2024

 

Em 1944 com o arquiteto Jack Hall

Posando para o conhecido pintor Charles Hawthorne, na década de 1920



   

PROVINCETOWN PROFILES And Others On Cape Cod

By FRANK CROTTY

 BARRE GAZETTE

BARRE, MASSACHUSETTS

1958

CHAPTER IX

Manny Zora

    ONE of Provincetown's most colorful characters is Manny Zora, rum-runner of prohibition days and the principal character of Scott Corbett's book "The Sea Fox."

    Cinema moguls are contemplating filming the story and I'd like to recommend to them that they have Manny play the part of himself. After all, where could they get another face like that? And, moreover, Manny is no slouch as an actor himself.

    Back in the 1920's he trod the boards of the old Wharf Theatre in a drama by Arthur Robinson titled "Fish for Friday." He had a speaking part and he also sang Portuguese songs. He thinks his singing in this play gave Hollywood the idea of having Spencer Tracy do Portuguese songs in "Captains Courageous".

    As for his face, it's really a study. He has heavy features, swarthy skin and an elongated nose. He says he was born in 1895 but he doesn't look it. He has the biggest and most powerful hands and arms I've ever seen. In fact, his hands are so large it's hard to shake one of them. The ordinary man's hand just can't get around it.

    Those powerful hands and arms are the result of Manny's determination to be "the best" at his calling, which is fishing. It is said that no man in Provincetown can handle a dory in the surf as well as Manny Zora. And no man has such a potent pull at the oars. At an early age he could beat most circus performers going hand-over-hand up a rope.

    He's quite a fellow this Manny Zora. It was not for nothing that he was nicknamed "The Sea Fox". No one of the rumrunners was craftier than he in avoiding the Coast Guard cutters in the days of prohibition. He had many a close scrape but they never caught him with the goods.

    In those days of the 18th amendment "Rum Row" was 12 miles off the tip of Cape Cod and Manny's 38-foot fishing boat, "The Mary Ellen," made irregular trips out there. Moonless nights were Manny's favorite times for outfoxing the authorities.

    Only time he was ever in real trouble, it was not with the law but with "The Syndicate," the underworld boys for whom he worked. The boss and two gunmen took him "for a ride," but with a pistol in his ribs Manny came around to their way of thinking.

    Born in Olhao, Portugal, Manny says he quit school when he was "almost 13." Two years later — in 1910 — he came to America and settled in Provincetown. He went to work as a fisherman and has been doing that kind of work, more or less, ever since.

    For many years, Manny says, he has been interested in politics.

    "I was a member of the Progressive Party," he says, "and I campaigned for Henry A. Wallace for president. I met him at a meeting in the Bradford Hotel, Boston. I remember that somebody there said that there weren't any laboring men in the Progressive Party, that the party was composed mostly of intellectuals. After that was said I stood up and put my hands in the air. 'Look at these hands,' I said, 'and repeat that there aren't any laboring men in the Progressive Party.'

    "After that, Henry Wallace asked that I be introduced to him and we got along famously. I campaigned in several cities for him."

    Some years ago when there was talk of a possible million dollar harbor project for Provincetown, Manny decided to go down to the nation's capital and put in his oar.

    "I went down by airplane," he says. "It was my first ride in an airplane and I was a bit scared. I didn't like to look down and see trees and houses and fields. I said to the pilot, 'You keep over the water and not the trees. The water I know.' And he did. We flew all the way down along the Atlantic Coast. It probably took longer but I felt safer."

    Manny says he made the rounds of legislators in Washington but the project never materialized. He adds: "The late Senator Robert Taft said of me, 'You can feel the salt in his voice'."

    Manny lives alone in his own home, overlooking Provincetown Harbor, at 137 Commercial street. He has sung concerts for the Fishermen's Widows' Fund in Provincetown and nowadays he occasionally gives lectures.

    One of Manny's Provincetown friends was telling me about a demonstration of love-making Manny gave one time. It seems Manny was standing by during a rehearsal of a group of P'town actors. The leading man, playing the role of a Portuguese fisherman, was making love to the leading lady. He was doing a poor job of it and getting the director exasperated. Finally the director spotted Manny.

    "Hey, Manny," he yelled, "go up there on the stage and show this fellow how a Portuguese fisherman makes love."

    "Will I!" Manny hooted, rolling up his sleeves.

    They say the actress escaped with minor injuries.

    If they have Manny play the role of himself in the movie, I suggest any actresses concerned be duly warned.



   Zora em 1963, Olhão



 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Armona, Verão1964: Alfred Kossmann (escritor holandês), Zora, Francisco Carapucinha


































Passeio ao campo em Olhão (1964?): Adélio, Zora, e Francisco Carapucinha






Zora em Novembro de 1964, no jantar de despedida de um amigo norte-americano, Charlie Bowman, que o tinha vindo visitar a Olhão (da esquerda para a direita: Francisco Carapucinha, Charlie Bowman, Zora, Francisco Diogo)


 

 


Lápide tumular de Manuel Zora, no talhão nº 681, no cemitério de Olhão


Pormenor da lápide tumular de Manuel Zora, no cemitério de Olhão