AS QUATRO ESTAÇÕES DO ANO
Um Acto em verso (declamado na Sociedade Recreativa Olhanense em 11 de Janeiro de 1939)
Inverno |
Oh! Primavera, quem te fez assim?! Sorriso angelical da Natureza!... Foi Deus, sei bem; o Deus que fez de mim A expressão profunda da tristeza!
Pranto constante – lágrimas sentidas Caem do Céu na minha negra hora... Quem sabe lá se Deus, às próprias vidas. Lhes faz assim sentir quão doloridas São essas horas longas de quem chora!...
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Primavera |
Inverno, não te lamentes... Lembra-te daquela Serra Que rompe o Céu além no horizonte…
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Inverno |
Está rogando que o Sol desponte, Ávida de dias quentes, Iluminados, Límpidos, floridos...
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Verão |
Não! Os montes mais elevados São braços p'la Terra erguidos Com devoção...
… Mas braços que a Terra ergueu Numa ânsia de quem pede – Sob a febre que o venceu – A Deus que lhe mate a sede!
São braços p'la Terra erguidos Na hora de sofrimento Em que se escutam gemidos Do mundo febril, sedento!
Não 'squeças que os meus dias preguiçosos, No v'rão ardente – na fornalha intensa – São repletos de beijos deliciosos, Que as ondas dão aos seres. Saudosos Da tua triste e álgida presença ! …
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Outono |
Também nos dias de Outono, Com folhas pelos caminhos Caídas em abandono, Nem cantam os passarinhos ... ... Tudo em volta é doloroso ... – 'té a própria cotovia Não vibra na harmonia Do seu cantar mavioso
Que importa que seja assim ?!
– Terra nem é jardim, Nem tem conforto, sequer... E às vezes veste de luto ... – Mas a vinha dá o fruto E tudo o mais que Deus quere.
Os meus dias bem o crês, São tristonhos como os teus; Mas, que importa? São talvez Mais estimados por Deus.
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Primavera |
Tristezas, Alegrias – Bem e Mal, São el'mentos da própria Natureza; Desígnios – traça-os Deus, – E quem é que, afinal, Garante que é o escuro ou que é a claridade Que rouba ao mundo a Luz da f’licidade ?
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Inverno |
Na Primavera – o Céu, suavemente Desfaz-se em Luz… E a Terra então florida, já consente Que cada ser arraste alegremente e resignado, a sua negra Cruz ...
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Primavera |
Quem sabe se é assim ou se não é? Quem sabe se é a estrada preferida Aquela que é irmã da própria vida Que chora e sofre, sem saber porque ?
O Inverno é triste, tu assim o dizes; O Céu, goteja doloroso pranto; Mas creio bem que os dias infelizes Não são despidos de todo o encanto ...
Na Primavera, a Terra é uma flor Que Deus plantou e O sofrimento acalma; à Humanidade sem amor, De que serve um jardim encantador Se quem lá vai nem sente a própria alma?!…
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Inverno |
Não. Seja como seja; a qualquer vida, Quer embalada por bendito olhar, Quer p'la má sorte sempre perseguida, É triste e doloroso acreditar Que sente a própria alma já vencida.
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Verão |
E se é que a alma vive, vive Deus. Foi Deus quem fez a Primavera ... e fê-la Para que a Terra irradiasse amor ... E fez da Flor a luminosa estrela De perfume suave, embalador ...
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Primavera |
Se as almas sabem sonhar; Vencer, sofrer e cantar; Onde houver flores, perfumes E corações a vibrar, Haverá cegos ciúmes, Sorrisos, prantos, amores, Almas a rir e a chorar. . .
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Outono |
Tens razão. As ilusões na vida são constantes ... Palpita, canta e ri um coração; Calam-se outros, vencidos, soluçantes ...
Quer seja Primavera, ou seja V'rão, Outono, inverno; haja chuva ou vento ... São dias f'lizes todos os que vão P'la Mão de Deus colher, em cada coração, As raízes de todo o sofrimento.
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Benditas sejais vós ...
Bendito seja eu ...
E todos nós .. .
Adriano Baptista
(retirado de transcrição de Maria da Conceição Pinto Pires)